quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Primeira estória: O DESAFIO

Karl encontrou Claire através de um acaso da vida, costumam rir-se desse facto, e não se cansam de repetir como tudo aconteceu.
Ela corria que nem uma louca para apanhar o eléctrico. Ele, fotógrafo profissional, e apaixonado pelo que fazia, fotografava tudo o que se mexia numa das janelas desse mesmo eléctrico.
Karl repetia “Tive uma sorte em conseguir aquele lugar. Normalmente apanhava sempre um eléctrico moderno com as janelas tapadas com publicidade, outras vezes nem me conseguia sentar.”
Karl concluía sempre da mesma forma: “devia ter percebido, quando consegui um lugar sentado junto à janela, que aquele não era um dia igual aos outros.”
Antes que Karl começasse a navegar nas suas incursões e divagações, Claire tomava o rumo inicial da conversa e dizia:
“Eu tinha que apanhar aquele eléctrico, já estava atrasada uma hora para o encontro com aquele meu colega português que me cortava a respiração. Como é que ele se chamava mesmo?”
Karl respondia: “ Era o Fernando, ela estava linda…. ele foi tão parvo em não esperar…”
Claire: “Levei uma hora a mais para me pôr assim linda… mas esse Fernando…encontrei-o uns dias depois na Universidade, ele era meu colega numa das disciplinas que eu estava a fazer, que nem me recordo…”
Karl concluía: “Teorias económicas. A Claire era aluna do programa Erasmus e esta era a única cadeira que tinha de Economia. Sempre detestou o tema, mas era obrigatória…”
Claire retomava a conversa: “sim, sim, mas aquele meu colega até que dava um sentido aquela cadeira, mas quando o voltei a encontrar, depois daquele encontro que nunca chegou a acontecer e tentei explicar, virou-me as costas e nunca mais me dirigiu a palavra…nem um bom-dia. Nunca percebi aquilo…”
Karl animava logo de seguida a conversa: “Sim, sim, mas então a Claire corria atrás do eléctrico que nem uma louca, entretanto eu fotografava-a, até que ela parou e ergueu o dedo do meio para mim. Nem quis acreditar, por momentos fiquei estupefacto, petrificado, mas de seguida sorri e pensei "que atrevida". O eléctrico afastava-se, mas eu vi que ela sorria. Desci na paragem seguinte e esperei por ela. Ela não passou, e eu estive durante duas horas à espera dela.”
Claire: “Sim eu pensei que ele fosse esperar por mim nessa paragem, assim como fez, e tomei outro caminho. Afinal eu ia ter com aquele meu colega…mas quando cheguei ao miradouro ao nosso ponto de encontro, ele não estava lá. E eu não tinha telemóvel e portanto não havia como explicar nada. A não ser novamente na Universidade. E claro que era muito triste e aborrecido, pensava eu, mas ele havia de entender e aceitar as minhas desculpas. Porém, isso não aconteceu, ele não permitiu que me explicasse…”
Este tinha sido o primeiro encontro entre Karl e Claire, o encontro do acaso.
O que pensar quando o acaso se repete? É mais do que uma coincidência, será uma certeza?
Karl continuava: “Passados dois meses, a secretaria da Escola onde trabalho questionou-me se poderia aceitar mais uma aluna, eu já tinha um grupo grande, 15 pessoas. O limite para mim eram 12 pessoas, e fiquei muito renitente, mais uma pessoa, a meio do semestre…mas pensei perdido por três, perdido por quatro e afinal eu ganhava uma percentagem. E assim foi, pedi para a Secretaria informar a pessoa que iria começar na 2ª feira da semana seguinte, às 9 horas. E pedi para a informarem que a sessão seria na rua, e que devia trazer a máquina fotográfica.”
Na 2ª feira, tive uma surpresa enorme quando reconheci a “nova” aluna, reconheci-a de imediato, ela não. Tentei perceber quem ela era através das fotos que tirava. Sabem, é que tenho um lema «mostra-me as tuas fotos e eu digo-te quem és». E de dois em dois dias, durante a semana, tínhamos aulas em conjunto. Depois os fins de semana começaram a ser insuportáveis e eu programei actividades extras. Assim, todos os fins-de-semana saíamos para tirar fotos. Depois começamos a ficar e nunca a sair.”
Claire: “Até que o Erasmus se acabou e eu tive que voltar para Lion. O Karl já estava em Portugal há 3 anos e queria continuar. Não sei como…Praga é tão bonita. Então eu parti para Lion e o Karl ficou. E o desafio estava estabelecido, qual de nós iria aguentar, ou desistir?”
Karl: “Eu achei que era melhor apagar tudo, e tentei . Deixamos de falar por mais de um ano. Até que um dia, sem nada para fazer, revelei uns rolos que estavam perdidos lá por casa e descobri um rolo cheio de fotos de uma rapariga que corria que nem uma doida atrás de um eléctrico. E eu corri que nem um louco atrás dessa rapariga.”
Sempre que Karl conclui a história com esta frase as reacções são diversas: olhares incrédulos, olhos que lacrimejam, piadas para desvalorizar ou disfarçar, por vezes o silêncio, ou um elogio.
Karl e Claire não falam do presente, só eles sabem que o tempo verbal da suas estórias é escrito no passado.
Aqueles que os ouvem tentam evitar comparações ou criar ilusões. Não suspeitam que aquele homem e aquela mulher ficaram presos no tempo e no acontecimento. O esforço obstinado de tornar a vida especial, desejando obsessivamente que haja magia, pode perpetuar algo que não existe. Por vezes a obstinada exaltação dos tempos de infância relembram este esforço. 
No fim, todos temos uma vida com pontos comuns a tantas outras, por vezes acreditamos ser incrivelmente mágica, outras vezes trágica.
O desafio consiste em perceber qual a estória queremos contar, recordar ou guardar.

em jeito de prefácio...

Não tive tempo de convidar O PROFESSOR para fazer um prefácio ao BLOG, acabei por ser eu a fazê-lo e como poderão verificar não tenho muito jeito para a escrita, para isto, mas aqui vai:

"Não sei onde estou, nem onde quero chegar, não sei o que irei fazer ou partilhar, nem durante quanto tempo.

Tenho duas certezas: 1) os cinco primeiros posts são cinco estórias. O resto virá com a vontade e inspiração;  e 2) já estou a gostar ;)))"

A autora