sexta-feira, 31 de agosto de 2018

VIII - FUGIR À MORTE TODOS OS DIAS CANSA – ENFERMIDADES

A doença entra na nossa vida da mesma forma que algumas pessoas o fazem, sem serem convidados. E como também acontece com essas pessoas, as doenças são na sua maioria chatas. Não têm noção de espaço e tempo. Fazem-me lembrar alguns namorados que tive e que acabei por ter que despachar. 


Diz a minha curta experiência de vida que o melhor é não criar oportunidades para que ela apareça, ou pior ainda, que se instale. 

Não se devem marcar consultas com médicos, homeopatas, osteopatas, curandeiros, endireitas, mecânicos, em resumo todos aqueles que nos possam pedir para nos despirmos, só porque sim. Saímos sempre de lá com um problema, e costuma ser um diferente daquele que nos queixamos. 

Entre as diferentes especialidades médicas existem uma que vos peço que se mantenham o mais distante possível. E não estou a falar de cirurgiões porque nesse caso já sabemos ao que vamos. Mantenham-se alertas junto de dentistas. E mais, se eventualmente estes profissionais vos pedirem para se despirem não só se devem manter distantes, como têm a minha anuência para chamar a polícia. 

Qual é a razão deste medo? 

Não conheço nenhuma história, com um dentista, com um final feliz. E se por acaso pertences ao reduzido grupo de pessoas que ainda têm os dentes do ciso FOGE, enquanto podes. 

Não sei o que é que lhes ensinam na escola, mas os dentes do ciso devem ser vistos como uma monocelha, e tem que ser arrancado e separado de nós, antes de se transformarem NAQUILO. E até hoje ninguém me soube explicar o que é “NAQUILO”. Mesmo os que arrancaram os dentes do ciso, e que apesar de ter sido há anos, ainda hoje quando recordam a experiência soltam uma gota de urina, e não é de contentamento. 

Sempre que o dentista faz um ponto de situação sobre o estado da minha boca, eu sinto-me uma personagem de um filme do Tarantino. 

Claro que devem haver episódios felizes com dentistas, eu é que os desconheço. 

Existem muitas coisas que desconheço, e que vou continuar ignorante em relação a essas coisas. Mas tudo bem. 

Descobri a verdade sobre outras tantas coisas que no fim resultaram em mais anos de vida… acho! 

Por exemplo na primeira vez que acampei com a Rita estava menstruada, e por isso não lavava a cabeça, assim como não comia laranjas. A Rita perguntou-me se o óleo que estava a pingar da minha franja não me atrapalhava. Eu expliquei-lhe “Rita quando se está menstruada não se pode lavar a cabeça, não faz bem à saúde. Não te preocupes a minha menstruação é de 7 dias e hoje já estamos no quinto dia”. 

A Rita olhou para mim, bebeu uma mini de uma golada só. Saiu e regressou dois dias depois. Trouxe consigo um livro que se chamava “ Coisas estúpidas que se dizem”. 

Não percebi bem porque me ofereceu o livro, mas uns meses depois enquanto tomava banho fiquei menstruada e não aconteceu nada. Não morri. Não cai de imediato. Nesse momento gritei “eureka” e preparei-me para ir correr nua para a rua, mas acabei por recuar porque quando consegui colocar o cálice menstrual, corretamente, já tinha perdido a vontade. 

Dizem-se muitas coisas sobre o que faz bem e o que faz mal, mas há algumas que não vale a pena reter, outras que devemos memorizar, tipo: deves ter cuidado a atravessar uma estrada ou quando usas um martelo. Quando manuseias um instrumento cortante e afiado não deves cair sobre ele. Não deves fazer misturas, não deves misturar branco, verde, tinto, rosé e outras bebidas. Deves prevenir-te em relação a doenças transmissíveis e por isso não deves partilhar quase nada, ou se partilhares que seja um pacote de pastilhas, ou um número de telemóvel. Deves evitar rapazes que se chamem Pedro, tenham mais de 1,80 e vivam perto do Amoreiras. Deves lavar os dentes todas as vezes que comeres. Deves beber muita água. Dizer asneiras. Xingar. Praguejar. Gritar. E rir, muito e muitas vezes, até perderes uma ou muitas gotas de xixi. 

Há quem diga que comer alho cru pela manhã faz bem à saúde, mas não é por isso que eu o faço. Aqui para nós, quem é que quer viver por muito tempo se estiver sozinha na vida? Quando o motivo dessa solidão é o terrível hálito a alho? 

Há quem diga que fazer sexo a seguir ao jantar pode causar a indigestão. E depois? Um copo de água, dizem, que pode fazer o mesmo e não é por isso que vamos morrer à sede. 

Temos que ser sábios nas nossas opções de vida. Queremos ter uma vida longa, mas não vazia. 

A doença não é bem-vinda, mas se vier que venha e que se vá rapidamente. Se for para ficar que seja uma verruga. Incomoda, sim, mas vive-se bem com ela. 

A doença passa pela vida de todos nós, na primeira ou na terceira pessoa do singular, e conforme a sua gravidade e o momento que acontece é para nós uma coisa boa ou má, apesar de enfraquecer sempre. 

Sim, é verdade que ficar doente pode ser uma coisa boa, quando passageira porque o estar doente chama, para nós, o mimo e a atenção, e estes nunca são demais. 

Durante a minha infância adorava estar doente, não retive se passava mal, mas recordo que comia sempre as minhas comidas favoritas e que passava o dia a descansar. E por gostar tanto de estar doente por diversas vezes encostei o termómetro à lâmpada quente, para fingir que estava febril. 

Depois veio a doença na adolescência, e aí era pura perda de tempo com tanta coisa a acontecer e ter que ficar em casa? Por causa de anginas?! Nem pensar! 

Com o passar dos anos é motivo para festejar quando se consegue sair de uma consulta médica sem a suspeita de que estamos muito doentes, muito pesados, muito parados ou muito deprimidos. 

É por isso que temos que celebrar a vida um dia de cada vez. 

A minha amiga Rita diz que a vida deve ser celebrada hora a hora e ela é sábia, e sempre que a vi vomitar foi pelos motivos certos, mau vinho ou bebé a caminho. 

Depois existe ainda o desafio que é cuidar de alguém que fica doente. Quando o doente é um homem a medicina não chega. Uma enfermeira tipo Soraia Chaves não é suficiente. Na verdade para restabelecer um homem doente o melhor é chamar um padre, um curandeiro, a sua mãe, e o treinador do Benfica. A doença num homem é desesperante, mas como tudo na vida não há mal que sempre dure. 

Quando se trata de uma criança a preocupação é proporcional à responsabilidade e tudo porque elas não vêm com livro de instruções, e também não se podem devolver à primeira falha. Há que aguentar e quando for possível logo se descansa. 

Descobrem-se algumas coisas enquanto estamos doentes, eu por exemplo, não me conseguia mexer e depois de dois dias sem dar noticias a Rita ligou-me e disse: “Espero que o motivo pelo teu silêncio esteja associado a um novo namorado. Não tens tempo nem de carregar o telemóvel.” 

E eu, cheia de dores, respondi: “Rita tenho dores” e ela respondeu: “estou a caminho”, quando a vi entrar com um saco na mão pensei na felicidade que tenho por ter alguém que irá cuidar de mim. Ela regressou da cozinha com duas minis fresquinhas e disse: “olha não trouxe nada para as dores porque isso já deves estar a tomar, mas não sabia se tinhas álcool suficiente.” 

E não é que ela tinha razão. À terceira estava tão relaxada que me esqueci das dores. 

Tenho vários receios: i) deixar de ouvir, a vida seria muito difícil viver sem música; ii) que o FC Porto não volte a vencer a Champios League; iii) que deixe de sentir a vida; iv) que o Ryan Gosling não me conheça; v) que deixe de rir, vi) que não consiga comprar uma mala Prada. 



E entre estes receios, habitam outros que causam sofrimento e dor, preocupa-me saber que eventualmente nos estamos a cansar, todos os dias, mais um pouco. 

Fiquemo-nos pela verruga, pela doença do futebol, afónicos de tanto chamar nomes ao árbitro, cegos pela simplicidade, loucos de paixão, cansados de fugir porque tocamos às campainhas de um prédio, e cheios de dores de tanto rir. 

No fim, espero que tudo acabe bem e no seu lugar, e daqui a muito tempo. 

Amén!


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