Sobrevivemos
aos nossos pais, aos tempos da Escola Secundária, a maus cortes de cabelo, a
péssimas escolhas, escapamos ao Jójó, curámos desilusões, frustrações e
maleitas, a má genética, assistimos a muitos desaparecimentos pelo caminho, resistimos
aos filhos, aos sobrinhos, aos maus professores, a maus ambientes de trabalho,
a maus exemplos, ao mau vinho, às misturas, mau sexo, péssimos conselhos, Dj’s
que nos arruinaram a noite… e ainda assim continuamos a ter que fugir porque as
provas continuam.
Com
mais ou menos fôlego continuamos a fugir DELA, todos os dias. Mas é inevitável
sentir que por mais que fujamos aproximamo-nos desse momento.
E os sintomas de que estamos perto dela…
daquela da qual não se diz o nome… manifestam-se de diferentes formas e algumas
são bem inoportunas: flatulência, incontinência, falhas de memória, redução de
audição e de visão, ausência de paciência, lentidão, aumento considerável do
uso de diversas drogas (e todas prescritas!) para diferentes maleitas, e a pior
de todas… a redução do consumo de álcool por causa da medicação.
Outro
sinal que nos indica a sua proximidade é a redução do interesse do sexo oposto.
Deixamos de sentir que olham para o nosso peito, pernas e rabo, existe uma
substancial redução de convites para saídas, que é proporcional ao aumento da
oferta de lugares para nos sentarmos. Ouvimos também, porque a falta de audição
não nos poupa, os gritos: “Deixa a Senhora passar”, ou “Cuidado com a velha:”
Descobrimos
que ninguém acha piada aos velhos, no geral, porque eles babam, porque contam
sempre as mesmas histórias e porque, em particular, os únicos velhotes fixxes que
existem somos nós, todos os outros são uma seca, pelo menos é o que pensamos
dos nossos pares.
Basicamente
a vida continua a acontecer com a repetição ininterrupta das mesmas situações.
Só que agora estamos na Terceira Idade. Na
primeira idade não tínhamos dentes; na segunda idade se não fomos rápidos ficámos
sem dentes, com um dos murros do Jójó; e na terceira idade, se o Jójó não nos
partiu os dentes na altura, eles acabarão por cair.
Passamos a maior parte do tempo ora em
hospitais, ora em Centros de Saúde, mas deixamo-nos de preocupar com a roupa
interior que vestimos quando vamos ao médico, porque em vez do constrangedor “dispa-se”
passamos a ouvir: “Não precisa de se despir, puxe só a camisola para cima”.
Existem aquelas creches para as pessoas da
terceira idade, os Centros de Dia, e ainda os Colégios internos para os casos
mais complicados, designados como Lares.
Telefonei para a Rita porque estava angustiada
com os programas que passavam na televisão e disse: “Rita não aguento mais
aqueles dois, eles não comunicam, eles guincham”
E a Rita disse: “achas? Deve ser o teu
aparelho de audição que está mal regulado. Olha que eu com a idade deles era
bem mais barulhenta!”
- Rita que disparate, essa tua demência está
cada vez pior, nem sei porque te ligo… Tu nunca foste apresentadora de
televisão!
- Mas do que é que estás a falar? Não estás a
ver o canal Playboy?!
E novamente agradeci a Rita na minha vida, ao
longo de todos estes anos, a Rita manteve-se igual a ela própria.
Como os estudos revelam que as mulheres vivem
mais do que os homens, eu e a Rita cedo pensámos acautelar o nosso futuro.
Contudo, como somos boas pessoas e tratamos tão bem os nossos homens, eles duram
e duram, mas agora não nos importamos com isso, porque as oportunidades já não
fluem como antigamente. Antes do problema de incontinência.
Mas como estava a dizer, eu e a Rita acautelámos
esta fase da vida por criar memórias, também conhecidas como S E X O, D R O G A
S E R O C K N’ R O L L.
E agora vivemos uma boa parte das nossas
tardes a recordar esses tempos e a dar conselhos aos nossos netos sobre tudo o
que pode irritar os totós dos pais deles!
Outra coisa que eu e a Rita também fizemos
foi Cursos de iniciação à espiritualidade. Não resultou porque tínhamos que
ficar em silêncio mais tempo do que aquele que nos era possível.
Depois resolvemos conhecer a religião que
melhor se adaptava à nossa forma de ser, visitamos várias igrejas e locais de
culto, a Rita fazia sempre a mesma pergunta, e ainda na entrada: “Como é que as
pessoas morrem aqui?”
Avisei a Rita que ela tinha que reformular a
questão, e ela passou a perguntar: “eu não quero ir para o céu, vocês aqui vão
para onde quando morrem?”
A Rita tinha como objetivo encontrar uma
religião que nos garantisse que quando morrêssemos teríamos 100 homens viris
pela eternidade. Ninguém lhe conseguia garantir isso. Pelo contrário houve um
pastor que lhe disse que aquilo que ela queria era um pecado mortal. A Rita
olhou para ele fixamente e perguntou: “o que é que conhece que seja pecado e
não seja mortal?”. Foi a última vez que entramos naquela igreja!
Rapidamente percebi que o melhor era não nos
metermos por esses caminhos, pelo menos se queria continuar a rasteirar a
morte.
Depois temos Universidades para a Terceira
Idade, Juntas de freguesia e outras Associações com arraiais para idosos sem
próteses, e ainda discussões sobre o envelhecimento ativo onde nunca vi
discutirem a importância do sexo. O que me levou a gritar EUREKA EUREKA, já sei
porque é que os idosos querem morrer!
Por
isso veio à minha cabeça que não podemos deixar, em nenhum momento da vida, de
decidir. Decidir o que, com quem, onde e como.
O
meu objetivo é que quando chegar o meu dia, alguém presente diga: “esta gozou
até ao último suspiro”.
Importante
também é não ficar só. A solidão é muito triste. Temos muito tempo para ficar
sós pela eternidade afora. Eu sei que mais vale só do que mal acompanhado, mas
não ter ninguém na vida com quem partilhar é muito triste.
Outra
coisa importante é planear a morte com tempo e confiar essa informação a 3
pessoas diferentes. Decisões como quem vamos convidar para o nosso funeral, a
indumentária que vamos usar, a música que vai passar, quem é que nos vai
acompanhar, quem vai celebrar a cerimónia de stand up, quais as bebidas que vão ser servidas e quem vai
confecionar os pratos que se vão servir, entre outras decisões. Deixar estas
escolhas já feitas deixou-me mais tranquila.
Há
um ditado popular que diz: “pagar e morrer quanto mais tarde melhor” e vocês
sabem como levo os ditados a sério, por isso evito andar com dinheiro, Deus me
livre de antecipar pagamentos.
Não está nas nossas mãos, e os nossos pés às
vezes não são tão rápidos como queríamos que fossem. Mas temos que dar o nosso
melhor.
Podem continuar a utilizar os mesmos truques
de sempre. “o jogo é meu e as regras são minhas”; “estou no coito”
(será mesmo isto que disse a vida inteira
quando jogava às escondidas? Eu e todos. Coito?! Claro que se for coito ninguém
tem que ir para lá).
Ou ainda, “RIP a mim não! Apanha primeiro
aquele chato, vá que eu depois arranjo-te umas cenas fixxes para curtires”.
Utilizem a desculpa que der mais tempo para nos mantermos em fuga.
Utilizem a desculpa que der mais tempo para nos mantermos em fuga.
Prometam-me uma corrida de andarilho!
Prometam-me isso e eu prometo que vos convido para o meu funeral daqui a muito, muito tempo! Vai ser B R U T A L!
Prometam-me isso e eu prometo que vos convido para o meu funeral daqui a muito, muito tempo! Vai ser B R U T A L!
FIM
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