Se
pensavam que o que ficou para trás foi o pior da vida, esqueçam. O pior está
para vir. A partir deste momento não se trata só do que os outros nos podem fazer, mas
também do que nós podemos fazer connosco.
Como
antropóloga sei que a adolescência é uma fase de mudança na vida, é por isso um
rito de passagem, e haveria muito a explicar e a dizer porque Van Gennep,
Victor Turner e outro pessoal que fumava e bebia fixxe dedicaram mesmo muito
tempo a este assunto, no entanto não abordaram a importância do papel da
sobrevivência a esta transição, pois claro. Porque dava trabalho. Está mesmo a
ver-se que esse cabe-me a mim. E eu, eu, estou sóbria há demasiado tempo para
vos falar disto através da antropologia.
Talvez
corra melhor se usar a filosofia. O Heráclito, esse foi outro chanfrado da
cabeça, que resumiu isto tudo a um parágrafo. Disse ele: “Ninguém entra no
mesmo rio uma segunda vez, pois quando isto acontece já não se é mais o mesmo.
Assim como as águas que já serão outras.“ Esta é uma daquelas frases que
resulta sempre, na fila de um autocarro, num primeiro encontro e até para
terminar uma relação. Para impressionar qualquer género, idade ou culto.
Mas
sabem quando é que conheci o Heráclito? Na adolescência, na Secundária, e em
filosofia.
Basicamente
é isto, depois de entrarmos na fase da vida adulta, e de já não sermos os
mesmos, e os locais deixarem de ser os mesmos, é nesse momento que damos valor
aos tempos da nossa adolescência vivida na secundária.
Por
isso leiam-me com atenção porque a adolescência justificará todos os nossos
gestos, dos mais grandiosos aos mais medricas. É bom que se viva esta fase
intensamente porque senão a superarmos morreremos, com a pior das mortes, a
morte anónima. Ninguém vai querer saber de nós. Socialmente não influenciámos
ninguém. Ninguém quis ser como nós. Estamos mortos.
E
a lápide dirá: “Aqui jaz a pessoa mais enfadonha que conheci. Tarde foi o dia
que te foste.”
E
se alguém for ao nosso funeral é só porque se trata de uma falta justificada no
trabalho, na escola ou poderá servir como desculpa para evitar um encontro onde
não queremos estar. Nem mesmo a mais desesperada criatura que aguarda
ansiosamente a doação de um órgão irá querer um dos nossos.
Muito
triste!
Eu
espero quando morrer que a minha lápide seja parecida com aquelas talas de
gesso que colocávamos quando partíamos a perna ou o braço, e onde se escreviam
cenas bem fixxes. Espero que hajam excursões para visitar a minha sepultura,
como se faz com o Jim Morrison.
Como
quero ser cremada, e que as cinzas sejam lançadas nas serras selvagens do
Gerês, é capaz de ser um pouco mais difícil a peregrinação às cinzas… mas olha,
cada um sabe de si! E o querer tem muita força!
Mas
o objectivo deste manual é partilhar ensinamentos para fugir à morte, e não
para irmos ao encontro dela, só que é na adolescência que começamos a desgraçar
a nossa vida. Ou que começamos efectivamente a viver. É quando as hormonas não
param de nos enviar mensagens, e algumas delas são mesmo muito atrevidas.
Numa
destas noites de miúdas, estava eu e a Rita perdidas de bêbedas, no Bairro
Alto, à procura de uma casa de banho. Ou de um gajo giro, o que encontrássemos
primeiro. E enquanto deambulávamos falávamos dos nossos tempos de secundária. E
foi bom voltar a esse tempo porque foi aí que nos conhecemos. A Rita foi a
cabra que foi dizer ao meu namorado, de então, que ele merecia melhor. Bitch!
Quase que me deu cabo do arranjinho! Mas foi a partir desse momento que nasceu
a amizade para a vida. Já sabia que para ela ninguém está à altura dos seus
amigos. Foi também aí que ela iniciou esta relação com o álcool, e esta sua
relação têm-nos mantido unidas.
Perceberam
como coloquei num parágrafo o melhor que conseguimos na adolescência? Os
dois ingredientes para nos ajudar a fitar a morte física e social? Amigos e
Álcool.
Os
amigos. Os amigos são aqueles que seguram o cabelo para vomitarmos, que seguram
a nossa língua para puxar o vómito. São aqueles que nos seguram para não
cairmos no enorme buraco que está à frente dos nossos olhos embriagados.
E
o álcool? Esse nunca nos falha. Lembram-se quando os nossos pais curavam as
nossas feridas com álcool? E aquilo ardia, e queimava, e nós gritávamos e eles
diziam “se arde cura”, eu já naquela altura sentia, mas agora tenho a certeza,
que o que era dito era uma enorme estupidez. O álcool é para beber e assar
chouriços, tudo o resto em que é usado é puro desperdício.
Em
resumo, os amigos seguram-nos e o álcool liberta-nos.
É
também na adolescência que surgem os primeiros contactos com a sexualidade,
pelo menos para alguns. Para aqueles que têm acne, bigode, cheiram e vestem-se
mal, os que se esforçam para agradar, que usam óculos, sapatos ortopédicos, tem
voz esganiçada e um mau corte de cabelo para esses a sexualidade a dois vai
chegar, quem sabe. Talvez mais tarde, ou talvez nunca chegue. E mais, se
acreditarem na reencarnação não têm motivos para se preocuparem, de todo,
porque nesta ou noutra vida isso irá acontecer.
Para
aqueles que iniciam a sua vida sexual nesta fase os meus conselhos são simples,
não tentem fazer muitas coisas, nem com muitas pessoas, e muito menos tudo ao
mesmo tempo. Não vai correr bem. Lá diz o ditado “depressa e bem não há quem”.
Mas
vamos lá despachar este rito de passagem da melhor forma, e para isso vou
continuar a usar a sabedoria popular.
Poderia
com um único ditado popular abordar todos as boas práticas para superar a
adolescência, com um simples “Diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem
és.”Nerds? Surfistas? Góticos? Metaleiros? Betos? Hippies? Os do clube de
xadrez? Os desportistas? Os do clube de teatro? Os do hip hop? Os
deprimidos? Os frustrados? Os que nos fazem rir?
Diz-me
se estás à frente do pavilhão ou atrás dele? E se estiveres atrás do
pavilhão estás: a) curtir; b) a apanhar; c) a beber; d) ou a ser roubado?
Diz-me
o que vestes e calças e eu te direi se vais sobreviver ao secundário. Diz-me
que música ouves e eu te direi se vale a pena fugir à morte. Diz-me o que vês e
lês e eu te direi se deves guardar isso para ti ou se podes partilhá-lo
publicamente. E por aí adiante…
Outro
ditado muito apropriado é “água mole em pedra dura, tanto dá que até fura”.
Este
ditado revela porque depois de dois anos a dizer “NÃO” ao tipo mais enfadonho
que se conhece, se acabe por lhe achar piada. Este ditado também explica como a
vontade de vomitar, só por cheirar álcool, é derrotada depois de muita
insistência.
E
acreditem em mim a intolerância ao álcool é uma praga. Quem não tolera álcool
está condenado a passar por esta fase de uma forma mais dura, até porque as
drogas leves são mais caras e não estão à venda no supermercado.
Há
ainda o ditado “As palavras voam, a escrita fica”.
Quantos
cadernos se escreveram com disparates que trocámos entre nós. Quantas paredes
foram espichadas, quantas mesas e cadeiras riscadas? A escrita ficou… até que
fomos apanhados e obrigados a limpar a escrita que ficou desde o século
passado, a nossa e de outros que nem tinham assim tanta piada…
Mas
o ditado pelo qual tenho maior estima é “Quem canta seus males
espanta.”
Todos
nós em algum momento tivemos o coração partido pelo Cruz. O Cruz era um tipo
encantador, que tinha imenso cabelo e estilo. E volta e meia ia lá a casa
porque era amigo de um dos meus irmãos, de outra forma nem saberia que eu
existia. Mas o que fazer porque o Cruz não estava nem aí, para o milhão de
miúdas e miúdos que suspiravam por ele? O que fazer para ultrapassar um coração
partido?
No
meu caso a cura foi The Cure. O
preto foi a minha cor. E o Robert Smith a minha esperança.
É no secundário que despertamos para a banda sonora da nossa
vida. Os restantes anos servem para a refinar. E se alguém te tentar
influenciar com hip hop ou rap ou outra coisa deste género
lembra-te “que não há mal que sempre dure.”
E por fim, “Quem não arrisca não petisca".
A
mentira é necessária: “Mãe vou dormir a casa da X. É claro que não vamos estar
sozinhas.” Obviamente que não vamos estar sozinhas, nem chega a ser uma
mentira. Então e o pessoal que convidamos para aparecer?
As
cábulas, quem nunca usou uma cábula que atire a primeira pedra. Aquela
adrenalina que se vive quando professor se aproxima, e pensamos “já fui”.
Aquela sequência de segundos em que a nossa vida acabou!
Pessoalmente
não sei o que é isso, mas contaram-me que quando resulta se reflecte na nota
final e pode ser decisiva.
Arriscamos muito quando fazemos trabalhos de grupo, que contam para a nota. Quando passamos horas e horas a falar destes e daquelas e das maiores futilidades do mundo, e no final desse dia, sem fazer nada para o
trabalho, acabamos por ter os 30 segundos mais produtivos da história, que se
resumem à distribuição de tarefas para se fazer em casa.
Nada importa, acreditem, senão arriscarem estão a perder oportunidades de criar memórias.
Lembrem-se do Heráclito porque não podemos confiar na água, nem em nós e muito menos no tempo.
Lembrem-se do Heráclito porque não podemos confiar na água, nem em nós e muito menos no tempo.
O objectivo é viver, intensamente, o maior número de dias possíveis.
Precisamos pois ter alguns cuidados. Mas mantenham-se por perto porque ainda há muito para reter sobre a adolescência e sobre a
vida.