sábado, 31 de março de 2018

FUGIR À MORTE TODOS OS DIAS CANSA – A ADOLESCÊNCIA – A passagem pela Escola Secundária.


Se pensavam que o que ficou para trás foi o pior da vida, esqueçam. O pior está para vir. A partir deste momento não se trata só do que os outros nos podem fazer, mas também do que nós podemos fazer connosco.

Como antropóloga sei que a adolescência é uma fase de mudança na vida, é por isso um rito de passagem, e haveria muito a explicar e a dizer porque Van Gennep, Victor Turner e outro pessoal que fumava e bebia fixxe dedicaram mesmo muito tempo a este assunto, no entanto não abordaram a importância do papel da sobrevivência a esta transição, pois claro. Porque dava trabalho. Está mesmo a ver-se que esse cabe-me a mim. E eu, eu, estou sóbria há demasiado tempo para vos falar disto através da antropologia.

Talvez corra melhor se usar a filosofia. O Heráclito, esse foi outro chanfrado da cabeça, que resumiu isto tudo a um parágrafo. Disse ele: “Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez, pois quando isto acontece já não se é mais o mesmo. Assim como as águas que já serão outras.“ Esta é uma daquelas frases que resulta sempre, na fila de um autocarro, num primeiro encontro e até para terminar uma relação. Para impressionar qualquer género, idade ou culto.

Mas sabem quando é que conheci o Heráclito? Na adolescência, na Secundária, e em filosofia.  

Basicamente é isto, depois de entrarmos na fase da vida adulta, e de já não sermos os mesmos, e os locais deixarem de ser os mesmos, é nesse momento que damos valor aos tempos da nossa adolescência vivida na secundária.

Por isso leiam-me com atenção porque a adolescência justificará todos os nossos gestos, dos mais grandiosos aos mais medricas. É bom que se viva esta fase intensamente porque senão a superarmos morreremos, com a pior das mortes, a morte anónima. Ninguém vai querer saber de nós. Socialmente não influenciámos ninguém. Ninguém quis ser como nós. Estamos mortos. 
E a lápide dirá: “Aqui jaz a pessoa mais enfadonha que conheci. Tarde foi o dia que te foste.” 
E se alguém for ao nosso funeral é só porque se trata de uma falta justificada no trabalho, na escola ou poderá servir como desculpa para evitar um encontro onde não queremos estar. Nem mesmo a mais desesperada criatura que aguarda ansiosamente a doação de um órgão irá querer um dos nossos. 

Muito triste!

Eu espero quando morrer que a minha lápide seja parecida com aquelas talas de gesso que colocávamos quando partíamos a perna ou o braço, e onde se escreviam cenas bem fixxes. Espero que hajam excursões para visitar a minha sepultura, como se faz com o Jim Morrison.
Como quero ser cremada, e que as cinzas sejam lançadas nas serras selvagens do Gerês, é capaz de ser um pouco mais difícil a peregrinação às cinzas… mas olha, cada um sabe de si! E o querer tem muita força!

Mas o objectivo deste manual é partilhar ensinamentos para fugir à morte, e não para irmos ao encontro dela, só que é na adolescência que começamos a desgraçar a nossa vida. Ou que começamos efectivamente a viver. É quando as hormonas não param de nos enviar mensagens, e algumas delas são mesmo muito atrevidas.


Numa destas noites de miúdas, estava eu e a Rita perdidas de bêbedas, no Bairro Alto, à procura de uma casa de banho. Ou de um gajo giro, o que encontrássemos primeiro. E enquanto deambulávamos falávamos dos nossos tempos de secundária. E foi bom voltar a esse tempo porque foi aí que nos conhecemos. A Rita foi a cabra que foi dizer ao meu namorado, de então, que ele merecia melhor. Bitch! Quase que me deu cabo do arranjinho! Mas foi a partir desse momento que nasceu a amizade para a vida. Já sabia que para ela ninguém está à altura dos seus amigos. Foi também aí que ela iniciou esta relação com o álcool, e esta sua relação têm-nos mantido unidas.

Perceberam como coloquei num parágrafo o melhor que conseguimos na adolescência? Os dois ingredientes para nos ajudar a fitar a morte física e social? Amigos e Álcool.

Os amigos. Os amigos são aqueles que seguram o cabelo para vomitarmos, que seguram a nossa língua para puxar o vómito. São aqueles que nos seguram para não cairmos no enorme buraco que está à frente dos nossos olhos embriagados.

E o álcool? Esse nunca nos falha. Lembram-se quando os nossos pais curavam as nossas feridas com álcool? E aquilo ardia, e queimava, e nós gritávamos e eles diziam “se arde cura”, eu já naquela altura sentia, mas agora tenho a certeza, que o que era dito era uma enorme estupidez. O álcool é para beber e assar chouriços, tudo o resto em que é usado é puro desperdício.

Em resumo, os amigos seguram-nos e o álcool liberta-nos.

É também na adolescência que surgem os primeiros contactos com a sexualidade, pelo menos para alguns. Para aqueles que têm acne, bigode, cheiram e vestem-se mal, os que se esforçam para agradar, que usam óculos, sapatos ortopédicos, tem voz esganiçada e um mau corte de cabelo para esses a sexualidade a dois vai chegar, quem sabe. Talvez mais tarde, ou talvez nunca chegue. E mais, se acreditarem na reencarnação não têm motivos para se preocuparem, de todo, porque nesta ou noutra vida isso irá acontecer.

Para aqueles que iniciam a sua vida sexual nesta fase os meus conselhos são simples, não tentem fazer muitas coisas, nem com muitas pessoas, e muito menos tudo ao mesmo tempo. Não vai correr bem. Lá diz o ditado “depressa e bem não há quem”.

Mas vamos lá despachar este rito de passagem da melhor forma, e para isso vou continuar a usar a sabedoria popular.

Poderia com um único ditado popular abordar todos as boas práticas para superar a adolescência, com um simples “Diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és.”Nerds? Surfistas? Góticos? Metaleiros? Betos? Hippies? Os do clube de xadrez? Os desportistas? Os do clube de teatro? Os do hip hop? Os deprimidos? Os frustrados? Os que nos fazem rir?
Diz-me se estás à frente do pavilhão ou atrás dele? E se estiveres atrás do pavilhão estás: a) curtir; b) a apanhar; c) a beber; d) ou a ser roubado?

Diz-me o que vestes e calças e eu te direi se vais sobreviver ao secundário. Diz-me que música ouves e eu te direi se vale a pena fugir à morte. Diz-me o que vês e lês e eu te direi se deves guardar isso para ti ou se podes partilhá-lo publicamente. E por aí adiante…


Outro ditado muito apropriado é “água mole em pedra dura, tanto dá que até fura”. 
Este ditado revela porque depois de dois anos a dizer “NÃO” ao tipo mais enfadonho que se conhece, se acabe por lhe achar piada. Este ditado também explica como a vontade de vomitar, só por cheirar álcool, é derrotada depois de muita insistência.
E acreditem em mim a intolerância ao álcool é uma praga. Quem não tolera álcool está condenado a passar por esta fase de uma forma mais dura, até porque as drogas leves são mais caras e não estão à venda no supermercado.

Há ainda o ditado “As palavras voam, a escrita fica”. 
Quantos cadernos se escreveram com disparates que trocámos entre nós. Quantas paredes foram espichadas, quantas mesas e cadeiras riscadas? A escrita ficou… até que fomos apanhados e obrigados a limpar a escrita que ficou desde o século passado, a nossa e de outros que nem tinham assim tanta piada…

Mas o ditado pelo qual tenho maior estima é “Quem canta seus males espanta.”
Todos nós em algum momento tivemos o coração partido pelo Cruz. O Cruz era um tipo encantador, que tinha imenso cabelo e estilo. E volta e meia ia lá a casa porque era amigo de um dos meus irmãos, de outra forma nem saberia que eu existia. Mas o que fazer porque o Cruz não estava nem aí, para o milhão de miúdas e miúdos que suspiravam por ele? O que fazer para ultrapassar um coração partido?
No meu caso a cura foi The Cure. O preto foi a minha cor. E o Robert Smith a minha esperança.

É no secundário que despertamos para a banda sonora da nossa vida. Os restantes anos servem para a refinar. E se alguém te tentar influenciar com hip hop ou rap ou outra coisa deste género lembra-te “que não há mal que sempre dure.

E por fim, “Quem não arrisca não petisca".
A mentira é necessária: “Mãe vou dormir a casa da X. É claro que não vamos estar sozinhas.” Obviamente que não vamos estar sozinhas, nem chega a ser uma mentira. Então e o pessoal que convidamos para aparecer? 

As cábulas, quem nunca usou uma cábula que atire a primeira pedra. Aquela adrenalina que se vive quando professor se aproxima, e pensamos “já fui”. Aquela sequência de segundos em que a nossa vida acabou!
Pessoalmente não sei o que é isso, mas contaram-me que quando resulta se reflecte na nota final e pode ser decisiva. 

Arriscamos muito quando fazemos trabalhos de grupo, que contam para a nota. Quando passamos horas e horas a falar destes e daquelas e das maiores futilidades do mundo, e no final desse dia, sem fazer nada para o trabalho, acabamos por ter os 30 segundos mais produtivos da história, que se resumem à distribuição de tarefas para se fazer em casa.

Nada importa, acreditem, senão arriscarem estão a perder oportunidades de criar memórias.   

Lembrem-se do Heráclito porque não podemos confiar na água, nem em nós e muito menos no tempo.  
O objectivo é viver,  intensamente, o maior número de dias possíveis.

Precisamos pois ter alguns cuidados. Mas mantenham-se por perto porque ainda há muito para reter sobre a adolescência e sobre a vida.