Resolvemos partilhar a escova de dentes com
uma pessoa. E agora? Bem, agora partilhamos o espaço, os sons, os odores
corporais, a cama, o sofá, a mesa da cozinha, o comando da televisão, os
amigos, entre outras coisas.
Entretanto descobrimos que existem coisas
piores do que encontrar no frigorífico a garrafa de água fresca vazia, isto
porque alguém não a encheu, ou que o rolo de papel higiénico acabou e ninguém o
trocou. Descobrimos que o lixo não sai de casa sozinho, mesmo quando convidado
a sair, e que a roupa e a loiça são bens esgotáveis. Mas o pior ainda está para
vir!
Termos clubes de futebol diferentes ou
estarmos em lados opostos em questões de política ou de religião são
mesquinhices perto da horrível revelação que são…
…
…
…
as reuniões de família!
Venham as reuniões dos Alcoólicos Anónimos,
das Testemunhas de Jeová, ou até do condomínio.
Começamos a conhecer a família da(s) outra(s)
pessoa(s) e percebemos que apesar de termos uma família de doidos, são os
nossos doidos, aqueles para quem conseguimos encontrar espaço no coração, na
mesa e na vida. Para as outras famílias a lotação está esgotada. Lugares
sentados nem pensar, e os lugares em pé atingem preços brutais.
O sucesso de séries como o Game of Thrones
(GoT) não se justifica simplesmente pela qualidade. O sushi também tem
qualidade e não é por isso que eu quero comer sushi.
Sempre pensei que o sucesso do GoT se devia
às mulheres e homens bonitos que se despem frequentemente, mas não estava
convencida. E como sempre que tenho dúvidas a primeira coisa que faço é
procurar a Rita, assim o fiz.
Marquei comer caracóis com ela e depois de
bebermos a terceira imperial perguntei-lhe qual era para ela o segredo do
sucesso de algumas séries. E ela, acabando de chupar a cabeça de um dos
caracóis, olhou para mim, coçou a cabeça, respirou fundo, e finalmente disse:
“sei lá, eu não vejo novelas. Passa aí um palito que estes já não vão lá só a
chupar a cabeça!”
E foi quando ela falou em novelas que viajei
ao passado e recordei a série da minha adolescência: DALLAS. Os irmãos Ewing,
eram naquele tempo a versão moderna de Abel e Caim. Esqueçam as cenas de sexo
escaldante ou até de sexo frio e à bruta. Tirem daí a ideia porque naquela
altura ninguém reparava em rabos e peitos firmes. Quem é que queria saber disso?
O segredo do sucesso eram os esquemas. Como lixar o outro.
E com o GoT passa-se o mesmo. É assistir ao
extermínio de dinastias. Cortam-se cabeças, atiçam-se cães, matam-se criaturas
que já estão mortas, e há sangue por todo o lado. As intrigas, a sede do poder.
Todos nós, lá no fundo, apreciamos uma boa sangria, uns gostam dela na mesa e
com vinho tinto e outros gostam dela na vida, e se possível a sangrar por todos
os lados.
Voltando às reuniões familiares, das duas
uma, ou somos bons para a porrada e avançamos, ou se somos maus para a porrada,
temos que pôr em prática o maior dos ensinamentos: CORRAM! Basicamente,
evitemos momentos de confraternização familiares.
As coisas tendem a piorar quando se passa
muito tempo em conjunto, ou porque é Natal, ou porque é Páscoa ou porque é dia
par ou ímpar. Há coisas que o tempo resolve, mas também há muitas coisas que o
tempo só piora por isso o meu conselho: fujam!
Fujam de tudo o que tira anos de vida! De
todas as refeições que sabemos que nos vão deixar indispostos! De tudo o que
vai engordar ou aumentar o peso da nossa bagagem emocional.
Eu e a Rita combinámos comprar uma prenda de
casamento, a meias, para uma amiga. Fomos até à Feira da Ladra para ver se
descobríamos um aparelho, em segunda mão ou roubado, para a cozinha, mas em bom
estado. Acabamos por comprar para nós uma mochila e duas saias, bem giras!
Explicámos à nossa amiga que não encontrámos
nada com a cara dela, a Rita até lhe disse: “Queremos muito dar-te uma coisa
que tenha a tua cara, mas a tua cara não nos lembra nada”. Na verdade a cara
dela fazia-nos lembrar muita coisa, mas nenhuma dessas coisas era uma coisa
boa.
Mas a nossa amiga não ouviu nada do que nós
dissemos. Estava noutra e nós perguntámos se podíamos ajudar. Depois de a
ouvirmos falar durante 5 minutos sobre as crises familiares nos preparativos do
casamento, eu e a Rita começamos a beber. Rapidamente percebemos que era a
nossa amiga que precisava de beber. E resolvemos nesse momento que a melhor
prenda que lhe podíamos dar era álcool. Várias caixas de vinho!
Podemos ter sobrevivido ao Jojó, ao mau
álcool, à má droga, ao mau sexo, aos maus amigos, aos péssimos trabalhos, e às
pessoas horríveis, mas precisamos ser de aço para sobreviver a más famílias. A
questão é existencialista e não é nova: chegámos aqui, apesar ou devido a estas
pessoas?
A minha resposta é DEVIDO a estas pessoas,
mas para ter sanidade mental é preciso astúcia para evitar o maior número de
vezes a indigestão e a toxicidade.
Aqui vos deixo dicas para se manterem longe da
Ala de Psiquiatria e do Cemitério:
Familiares “a minha é maior que a tua”
Comprámos uma casa, marcámos a inauguração e
ouvimos: “ é uma boa casa, mas a minha é maior”. Nem precisamos de comprar uma
casa. Pode apenas ser um telemóvel, e estás feliz porque ele só pesa meio quilo
e o outro que tinhas tinha-te provocado uma escoliose. E enquanto estás feliz
com o teu telemóvel novo, ouves: “sim, é um bom modelo, mas o meu é melhor”.
Conselho: se se tratar de um telemóvel compra
um auricular, caso não venha incluído, vais deixar de ouvir muitos disparates.
Se for uma casa garante que esta seja a primeira e última visita dessa pessoa,
e podes sempre dizer: “ uma casa maior que esta? Ouviram restante família? O
próximo almoço é em casa do X porque a dele é maior que a minha!”
Familiares “então e quando é que …”
São aqueles familiares/pessoas que são
insatisfeitos por natureza. Não é defeito, é feitio, estão sempre a tentar ver
mais longe. Para estes o conselho é responder: é já a seguir. E pumba vais
buscar uma cerveja, ao frigorífico. Quando a cerveja acabar e se as perguntas
continuarem começas a fumar. Não morres de imediato, vais morrendo aos poucos,
mas acabas por não te lembrar de nada!
Familiares “Sim, mas…”
Depois do “quando é que … ” vêm os “sim,
mas…” e esta frase pode ser utilizada até quando se trata de uma refeição:
“Sim, está bom, mas tem pouco sal” ou “Sim, está bom, mas é muito doce”.
Não é sobre nós, é sobre pessoas que têm
sempre algo a acrescentar. Pode até ser positivo. Um bom truque é tentar acabar
as frases dessa pessoa. Tipo: “O Benfica está à frente do campeonato, sim já
sei, mas não quer dizer que o ganhe”.
E tornar isto um jogo. Quem acertar mais
vezes no sentido da frase ganha o jogo, e a páginas tantas como todos os jogos
ou se torna um vício, ou acabamos por nos cansar de o jogar, e desligamos.
Familiares “tu é que tens sorte”
Estes são aqueles que, se dizemos que nas
férias vamos viajar, concluem “tens tanta sorte!”. Mesmo quando dizemos “fui
assediada e tive que me despedir”, eles respondem “ao menos alguém te
assediou”. Estes são aqueles que quando estivermos enterrados na merda os
devemos manter perto de nós: sem intenção vão-nos fazer sentir os melhores do
mundo. Vão-nos ensinar a tirar proveito do lado negro da vida.
Contudo quando estamos bem, o seu mau-estar
pode ser prejudicial para gozarmos o momento na plenitude, nessas alturas o
único remédio é a distância!
Familiares “eu não disse isso, tu é que
pensaste isso”
São aquelas pessoas que passam a vida a
insinuar e que a sua presença por si só dá calafrios. Não é o que diz é como
diz. E quando alguém o expõe ele responde: “eu não disse isso, tu é que
interpretaste assim” ou ainda “isso não é sobre mim é sobre ti.”
E por fugazes momentos ignoras a tua intuição
e inteligência e até pensas que estás errada, mas não estás. Não bebas, senão
ainda podes falar e tudo o que disseres vai ser usado contra ti. E se é para
ser presa que o motivo seja porque o oficial de justiça que te vai algemar é o
irmão gémeo do Ryan Rosling.
Lembram-se daqueles jogos infantis? O jogo do
silêncio? Ou até aquele que é sobre quem é o primeiro a pestanejar? É a altura
de o jogar. O que falar primeiro perdeu. O que piscar os olhos já foi.
Familiares “e sabes o que é que ele me
disse?”
Aquelas pessoas que não sabemos como, mas
sabem tudo. E além de saberem tudo, sabem ainda mais do que o que realmente
aconteceu.
O que me intriga mesmo é o facto de que essas
pessoas sabem mesmo TUDO!
Esses divertem-me e como já fui apanhada no
meio de muita confusão tenho duas frases espetaculares que funcionam sempre: “A
sério? Não fazia ideia.” E a outra é: “Bem, ao menos espero que se tenha
divertido.” E de seguida concluo: “quando estiver com ele vou-lhe perguntar”.
Frequentemente a resposta é: “mas não digas
que fui eu que te contei!”.
Familiares “ai senão fosses meu prim@”
Há familiares que queremos na nossa vida S E
M P R E. Que quando chega um casamento queremos sentar ao lado deles. Que
quando vamos a um funeral é ele que procuramos. Que não há ninguém que esteja a
sua altura. Aquela tia que nos enchia os bolsos de rebuçados e pastilhas.
Aquela prima que nos faz aquele bolo de chocolate. Aquele primo que nos faz
sentir a prima favorita. Aqueles que nos fazem rir. Que sempre que nos
lembramos deles esboçamos um sorriso. Aquelas pessoas que fazem parte de nós.
Falar de famílias ou de familiares, em
particular, é falar de pessoas e da humanidade em geral.
Cheguei aqui e concluo que não importa em que
fase da vida estejamos haverá sempre um FDP a tentar puxar para baixo. Haverá
sempre um jójó a tentar roubar alguma coisa de nós. E não tem importância
nenhuma, desde que o que nos queiram tirar não seja demasiado valioso, tipo o
cartão de sócio do FCP ou aquele lugar bem à frente num concerto do Matt
Berninger… senão for nada disto, mesmo importante, o meu conselho é que se
lixem para o assunto. Agora se for algo mesmo importante, não pensem que a vida
vai ensinar ou retribuir alguma coisa, nada disso. Lembrem-se que o que conta é
a atitude. Não importa se és grande ou pequeno, tens que ser rápido.
Comigo resulta um post it com a brilhante e eterna sabedoria dos
Iron Maiden: “You've got to watch them. Be quick or be dead.”
Se nada disto resultar e se por alguma motivo
o álcool falhar, a minha sugestão é que se foquem, não há mal que sempre dure,
e até os momentos em família, que parecem eternos, têm um fim.
E por cada 100 FDP que surgem existem 3 PDC.
E esses são aqueles que nos vão segurar: seguram-nos a porta do frigorífico
enquanto procuramos a cerveja mais fresca, seguram-nos o cabelo enquanto
vomitamos, as nossas mãos e a língua.
E por essas 3 PDC, a longevidade continua a
ser o maior dos objetivos.
Fiquem por aí não se esqueçam, não quero
ninguém a falecer!
Cuidado com os tubarões e com os caracóis mal
temperados!