domingo, 30 de setembro de 2018

IX - FUGIR À MORTE TODOS OS DIAS CANSA – 9 MESES DEPOIS!

Ninguém que acredite na longevidade pode pensar que a maternidade/paternidade irá acrescentar anos de vida à sua existência.
Na maior parte das vezes as pessoas sobrevivem, mas a saúde mental vai-se para sempre.
Sim, como sobreviver à chegada de crianças sem álcool? Sem drogas?
Durante 9 meses a nossa vida, o nosso corpo, as nossas relações sociais sofrem transformações algumas irreparáveis. Sofrem-se duras e graves provações, alterações e privações.
Porque é que então alguém avança para isto? Porque é que não ficamos pelos companheiros de quatro patas ou com barbatanas?
Uma das explicações que vejo para cair nesta armadilha é, a meu ver, porque o ser humano não sabe ficar quieto!
Pois para aqueles que já se meteram nisso, ou andam a pensar experimentar, vou deixar aqui algumas dicas para sobreviverem aos nove meses sem perderem todos os amigos, mesmo aqueles que ninguém quer.

Existem muitas teorias sobre a forma de fazer bebés meninos ou meninas, há quem use botas, há quem coma frutos secos, há ainda quem se atreva em posições perigosas para a coluna, e no fim nada disso é preciso. Ora esqueçam tudo o que pensam que sabem, e leiam o que tenho para vos contar!    

PRIMEIRO MÊS – A CARTA
Por acidente ou de propósito alguém enviou A CARTA para a cegonha. O que se passa com A CARTA é que ou se escreve bem ou pode dar para o torto.
Letra legível, sem rasuras, indicações objetivas, não mais do que um parágrafo. E por favor nada de símbolos, as cegonhas não têm que conhecer os símbolos para o género feminino e masculino. Ponham-se com mariquices e depois queixem-se que não era bem aquilo que queriam.
Outra coisa, se A CARTA não for bem escrita às vezes pode não chegar ao destino, por isso é preciso continuar a praticar a caligrafia.
Se A CARTA chegou à cegonha, e se a mensagem foi bem escrita, o corpo vai começar a dar sinais.
Alguns dos sinais são: barriga grande, oscilação acentuada de humor, flatulência, azia, apetite incomensurável, e cansaço, isto nos homens.
Nas mulheres tudo igual, à exceção dos mamilos escuros e o desaparecimento da menstruação.

SEGUNDO MÊS – HORMONA’S PARTY
Foi um dos momentos mais assustadores da minha vida quando ao chegar perto da Rita a vi a chorar. Fiquei tão aflita. É que nem a mais cruel das cebolas arranca uma lágrima àquela miúda.
Perguntei: “Estás bem? Morreu alguém?”
Ela soluçava e apontava para a televisão. Na televisão aparecia a imagem de David Bowie. Soluçando ela dizia: “ELE MORREU!”   
E eu disse: “Rita ele morreu há um ano!”
E ela chorou ainda mais e disse-me “PÁRA, NÃO DIGAS ISSO, NÃO VÊS O QUANTO ME MAGOAS?”
Foi nesse momento que me apercebi que as hormonas são traiçoeiras. As hormonas estão ao mesmo nível do nosso inconsciente que durante algumas noites nos atraiçoa e nos deixa falar coisas que não confessaríamos mesmo que a nossa vida dependesse disso.
A nossa vida está nas mãos da progesterona e do estrogénio e como o próprio nome indica não estamos a falar de gajos bons para engatar!
O melhor é deixar fluir. Se for para chorar é para chorar, se for para comer é para comer, idem, idem, aspas, aspas para o gritar, bater ou vomitar.
Neste estado de graça é legítimo enjoar de tudo o que se faz com sacrifício. Aspirar, ver jogos do Benfica, preparar refeições, passar a ferro, depilação, pintar os cabelos brancos, cortar as unhas dos pés, estender meias, and so on…
Às grávidas pertence o comando da casa e da televisão!

TERCEIRO MÊS – GRÁVIDA, GORDA OU DOENTE?
Estes primeiros três meses são terríveis. Parece que estás grávida, mas ninguém se atreve a afirmar. Ninguém se levanta para dar te lugar no metro com medo de ofender.
Se se mostra a tímida barriga e dizemos que queremos o lugar, ou que temos prioridade, somos olhadas de lado e ainda ouvimos: “No meu tempo a gravidez não era doença!”
Descobre-se que a gravidez é talvez um dos desportos mais competitivos do mundo.
Tem que se competir com todas as mulheres que trabalharam até lhes rebentarem as águas, e quando estas rebentaram ainda limparam o chão. Competir com aquelas que não engordam. Competir com o feto para ainda conseguir ter alguma atenção. E até competir com o pai da criança para perceber qual dos dois está mais limitado pela gravidez.
Pergunto-me novamente por que razão alguém que quer ter uma vida longa e saudável se sujeita a isto? E se a vossa explicação for “para sair da monotonia”, até pode ser um motivo válido porque a monotonia acabou, mas valerá a pena?

QUARTO MÊS – ROUPA PARA GRÁVIDAS
Sem álcool, sem cintura e com a barriga a crescer alguma coisa boa teria que acontecer.
Não sei se já escrevi isto, mas eu e a Rita engravidámos em simultâneo. E vivemos 9 meses sem álcool em conjunto. E quando queríamos falar de todas as mudanças que estavam a ocorrer combinávamos fazê-lo à noite, no miradouro de Santa Catarina.
Privadas de álcool, mas ainda com o cérebro a funcionar sabíamos que ali poderíamos ter um “cheirinho” da nossa vida passada, aquela antes de engravidar, há 4 meses atrás, e que parecia que tinha sido há uma eternidade. Lá continuava tudo igual, havia erva e álcool, sabíamos que estávamos o mais próximo que podíamos do paraíso, durante estes nove meses.
E numa dessas noites perguntei: Rita sabes o que é que é bom nesta fase?
Ela: “Os orgasmos?!”
Eu: “Rita que disparate! Essas coisas deixam marcas nos bebés”.
Ela respirou fundo e disse: “Então… bom nesta fase… as mamas grandes?”
Eu já um pouco sem jeito disse: “Não Rita! Agora temos a desculpa perfeita para ir às compras FREQUENTEMENTE!
E ela respondeu: “Mas tu já viste a roupa que se vende para grávidas?”
E levou-me a uma loja dessas e à secção de roupa para grávida. Fui ver a roupa interior. Saí a correr. Fiquei deprimida. Cheguei a casa e chorei. O mundo como o tinha conhecido tinha acabado e só voltei às compras quando a criança já tinha dois anos.

QUINTO MÊS – OS EXAMES. 
Se não tivesse acontecido comigo e se alguém me dissesse que uma grávida tinha fazer exames, ou análises, ou ir a consultas com o/a obstetra TANTAS VEZES, eu diria que essa pessoa das três uma: ou tinha um “affair” com um dos profissionais de saúde que a acompanha; ou com todos eles; ou que a essa pessoa estava gravemente doente, a morrer mesmo.
Assim, e pela frequência com que isto acontece, seguem os meus melhores conselhos: se gostarem de meninas, escolham uma obstetra que vos compreenda e que seja sempre um prazer revisitar; se gostarem de meninos, escolham um obstetra que vos toque, e que vos mantenha ansiosas pela próxima consulta.
Quanto aos exames e análises evitem todos os que poderem mas, se os tiverem mesmo que fazer, aguentem! Façam tudo de uma só vez porque repetir exames dolorosos é muito estúpido.

SEXTO MÊS – MENINO OU MENINA?
Quando a barriga começa a ganhar terreno começamos a conhecer pessoas que sabem coisas, coisas que nem os médicos sabem, como por exemplo qual o sexo do feto, se é cabeludo, ou com quem ele é parecido. E isto tudo ainda com o bebé dentro da barriga.
Recorremos a coisas que sempre evitamos, tais como as jardineiras, sapatos rasos, babetes, roupa amarela, listas de nomes para bebés, almofadas para dormir, livros de auto-ajuda, entre outros.
O sinal de que estamos no declínio da sanidade mental é quando usamos a expressão: “menino ou menina? Não sabemos, mas o importante é que venha com saúde.” O que queremos dizer com isto é que se o bebé vier constipado o iremos devolver.
Os receios dos pais estão relacionados com a passagem pela Escola Secundária onde aprendemos que a vida é mais fácil para os bonitos. Mas este é um receio errado porque como já escrevi várias vezes o que conta é a atitude.
A partir deste momento quando perguntarem se é menino ou menina a resposta deve ser: “Não sei, mas desde que venha com atitude, é o que interessa.” 

SÉTIMO MÊS -PREPARAÇÃO PRÉ E PÓS PARTO.
Uma das partes mais difíceis da gravidez é conseguir chegar ao centro de preparação para o parto, de carro, e conseguir estacionar. Ter 3 espelhos no carro e nenhum deles servir para ver o nosso reflexo é frustrante. Ter cuidado connosco e com os outros é cansativo. Mas ultrapassar isto tudo com pés inchados, e uma barriga que chega antes das nossas mãos ao volante é tortuoso.
A Rita e eu fizemos o Curso de preparação “para o que lá vinha” juntas, e jurámos que nunca mais repetiríamos esta experiência. Na verdade o único curso que voltamos a fazer juntas foi o de enologia. O curso de preparação “para o que lá vinha” revelou diversas dificuldades, o estacionamento sem dúvida foi uma delas, mas conseguir um lugar sentado onde pudesse esticar as pernas também foi muito difícil. A competição com os homens, que também participavam nestes cursos, para ver qual de nós precisava de mais espaço para abrir as pernas deixou-me cheia de dúvidas. E como sempre perguntei à Rita: “Rita porque achas que aquele senhor que se senta ao meu lado precisa de tanto espaço?”
A Rita explicou-me que muitos homens não têm relações sexuais durante a gravidez e isso faz com que retenham muitos líquidos, e logo incham. Daí a dificuldade em fecharem as pernas.
Na sessão seguinte perguntei a um senhor se ele já se tinha conseguido aliviar, para saber se teria mais espaço para as minhas pernas, e desde esse dia que ninguém, além da Rita, se sentou ao meu lado. Consegui passar no curso, aliás aqui entre nós, mudar fraldas e dar banho a nenucos foram coisas que fiz desde sempre às minhas bonecas. 
Por outro lado desde que nasci que respiro, pelo que não sei de onde vem aquela obsessão com a respiração, é óbvio que temos que respirar.  

OITAVO MÊS – BABY SHOWER
Descobrem-se as coisas mais incríveis quando se está grávida, como por exemplo a festa de despedida da vida tal como a conhecíamos, mais conhecida por baby shower. É um daqueles momentos que tememos pela nossa sanidade mental e choramos, choramos muito. Não, não é de alegria, é de tristeza por não podermos beber.
Organizaram um baby shower para mim e para a Rita. A Rita acabou por ceder e aceitou ir, e foi buscar-me a casa. Disse de imediato: “se alguém pronunciar as palavras ‘mastite’, ‘incontinência’ ou ‘hemorroídas’ eu parto-lhe a cara.”
Eu disse: “Rita isto é sobre o bebé, não é sobre as nossas avós.” Ela abriu-me os olhos e arrancou, com o carro, em silêncio. Eu revi o nosso breve diálogo a pensar o que é que a poderia ter irritado. Mas ao chegarmos ao local de encontro, e ao assistir à decoração e a todas aquelas mulheres e crianças SUPER felizes, agarrei-me à Rita e chorei, chorámos. E sussurrei ao seu ouvido: “Onde é que nos meti? Desculpa-me!”
Alguém sabia que existem listas de prendas para o baby shower?
Vocês sabiam que existem roupas de betos para recém-nascidos?
Aprendi o significado correto de cueiro. E também tive oportunidade de aplicar aqueles ensinamentos para a vida: se não interessa deixa ir”, deixa ir os comentários que não te acrescentam nada como mãe, ou ser humano, deixa ir prendas que não queres, deixa ir a parvoíce. E ainda outro: “foca-te no que interessa”: o bolo de chocolate, o garçon moreno de olhos verdes, e garantir a qualidade da música de fundo!

NONO MÊS – ENTÃO MAS AINDA NÃO NASCEU?
Nono mês, 4 000 000 semanas, 1 tonelada e a criança ainda não nasceu. Noites mal dormidas, um corpo que se desconhece e ainda temos que ouvir a pergunta: “Então mas ainda não nasceu?”
E nessa altura pensamos que o planeta está superpovoado e que a nossa criança está a chegar e precisa de espaço e de um mundo com menos estupidez, imaginamos diferentes formas de matar alguém.
A resposta deveria ser: “Sim já nasceu, mas apeguei-me a esta barriga e a estes líquidos que não consigo deixá-los ir” ou “Não, ele está a evitar ao máximo conhecer certas pessoas”.
Descobre-se que todas as mulheres são mães, e que uma vez cá fora a nossa vida acabou como sempre a conhecemos, por isso não nos importamos que eles estejam cá dentro o tempo todo que for possível.
A cegonha nunca falha. Depois de avaliar as prioridades, as entregas são feitas. E depois disto a vida transforma-se.
Depois dos nove meses, ou em certos casos mais cedo, percebemos que todo o incómodo sentido foi a preparação para o que chegou. Depois disto, a conversa em semanas desaparece, os pontos caem, e 8 anos e 3 meses depois já conseguimos falar do parto sem fechar as pernas.

Nunca mais a vida vai ser a mesma. Mas sobre isso falamos a seguir.


Todos a respirar!
Inspira, expira! Inspira, expira!