Ninguém que
acredite na longevidade pode pensar que a maternidade/paternidade irá acrescentar
anos de vida à sua existência.
Na maior parte das vezes as pessoas sobrevivem, mas a
saúde mental vai-se para sempre.
Sim, como sobreviver à chegada de crianças sem álcool?
Sem drogas?
Durante 9 meses
a nossa vida, o nosso corpo, as nossas relações sociais sofrem transformações
algumas irreparáveis. Sofrem-se duras e graves provações, alterações e
privações.
Porque é que
então alguém avança para isto? Porque é que não ficamos pelos companheiros de
quatro patas ou com barbatanas?
Uma das
explicações que vejo para cair nesta armadilha é, a meu ver, porque o ser
humano não sabe ficar quieto!
Pois para
aqueles que já se meteram nisso, ou andam a pensar experimentar, vou deixar
aqui algumas dicas para sobreviverem aos nove meses sem perderem todos os amigos,
mesmo aqueles que ninguém quer.
Existem
muitas teorias sobre a forma de fazer bebés meninos ou meninas, há quem use
botas, há quem coma frutos secos, há ainda quem se atreva em posições perigosas
para a coluna, e no fim nada disso é preciso. Ora esqueçam tudo o que pensam
que sabem, e leiam o que tenho para vos contar!
PRIMEIRO MÊS – A CARTA
Por acidente
ou de propósito alguém enviou A CARTA para a cegonha. O que se passa com A
CARTA é que ou se escreve bem ou pode dar para o torto.
Letra
legível, sem rasuras, indicações objetivas, não mais do que um parágrafo. E por
favor nada de símbolos, as cegonhas não têm que conhecer os símbolos para o
género feminino e masculino. Ponham-se com mariquices e depois queixem-se que
não era bem aquilo que queriam.
Outra coisa,
se A CARTA não for bem escrita às vezes pode não chegar ao destino, por isso é
preciso continuar a praticar a caligrafia.
Se A CARTA
chegou à cegonha, e se a mensagem foi bem escrita, o corpo vai começar a dar
sinais.
Alguns dos
sinais são: barriga grande, oscilação acentuada de humor, flatulência, azia,
apetite incomensurável, e cansaço, isto nos homens.
Nas mulheres
tudo igual, à exceção dos mamilos escuros e o desaparecimento da menstruação.
SEGUNDO MÊS – HORMONA’S PARTY
Foi um dos
momentos mais assustadores da minha vida quando ao chegar perto da Rita a vi a
chorar. Fiquei tão aflita. É que nem a mais cruel das cebolas arranca uma
lágrima àquela miúda.
Perguntei:
“Estás bem? Morreu alguém?”
Ela soluçava
e apontava para a televisão. Na televisão aparecia a imagem de David Bowie. Soluçando
ela dizia: “ELE MORREU!”
E eu disse:
“Rita ele morreu há um ano!”
E ela chorou
ainda mais e disse-me “PÁRA, NÃO DIGAS ISSO, NÃO VÊS O QUANTO ME MAGOAS?”
Foi nesse
momento que me apercebi que as hormonas são traiçoeiras. As hormonas estão ao
mesmo nível do nosso inconsciente que durante algumas noites nos atraiçoa e nos
deixa falar coisas que não confessaríamos mesmo que a nossa vida dependesse
disso.
A nossa vida
está nas mãos da progesterona e do estrogénio e como o próprio nome indica não
estamos a falar de gajos bons para engatar!
O melhor é
deixar fluir. Se for para chorar é para chorar, se for para comer é para comer,
idem, idem, aspas, aspas para o gritar, bater ou vomitar.
Neste estado
de graça é legítimo enjoar de tudo o que se faz com sacrifício. Aspirar, ver
jogos do Benfica, preparar refeições, passar a ferro, depilação, pintar os cabelos
brancos, cortar as unhas dos pés, estender meias, and so on…
Às grávidas
pertence o comando da casa e da televisão!
TERCEIRO MÊS – GRÁVIDA, GORDA OU DOENTE?
Estes
primeiros três meses são terríveis. Parece que estás grávida, mas ninguém se
atreve a afirmar. Ninguém se levanta para dar te lugar no metro com medo de
ofender.
Se se mostra
a tímida barriga e dizemos que queremos o lugar, ou que temos prioridade, somos
olhadas de lado e ainda ouvimos: “No meu tempo a gravidez não era doença!”
Descobre-se
que a gravidez é talvez um dos desportos mais competitivos do mundo.
Tem que se competir
com todas as mulheres que trabalharam até lhes rebentarem as águas, e quando
estas rebentaram ainda limparam o chão. Competir com aquelas que não engordam.
Competir com o feto para ainda conseguir ter alguma atenção. E até competir com
o pai da criança para perceber qual dos dois está mais limitado pela gravidez.
Pergunto-me novamente
por que razão alguém que quer ter uma vida longa e saudável se sujeita a isto?
E se a vossa explicação for “para sair da monotonia”, até pode ser um motivo válido
porque a monotonia acabou, mas valerá a pena?
QUARTO MÊS – ROUPA PARA GRÁVIDAS
Sem álcool,
sem cintura e com a barriga a crescer alguma coisa boa teria que acontecer.
Não sei se já
escrevi isto, mas eu e a Rita engravidámos em simultâneo. E vivemos 9 meses sem
álcool em conjunto. E quando queríamos falar de todas as mudanças que estavam a
ocorrer combinávamos fazê-lo à noite, no miradouro de Santa Catarina.
Privadas de
álcool, mas ainda com o cérebro a funcionar sabíamos que ali poderíamos ter um
“cheirinho” da nossa vida passada, aquela antes de engravidar, há 4 meses
atrás, e que parecia que tinha sido há uma eternidade. Lá continuava tudo
igual, havia erva e álcool, sabíamos que estávamos o mais próximo que podíamos
do paraíso, durante estes nove meses.
E numa dessas
noites perguntei: Rita sabes o que é que é bom nesta fase?
Ela: “Os
orgasmos?!”
Eu: “Rita que
disparate! Essas coisas deixam marcas nos bebés”.
Ela respirou
fundo e disse: “Então… bom nesta fase… as mamas grandes?”
Eu já um
pouco sem jeito disse: “Não Rita! Agora temos a desculpa perfeita para ir às
compras FREQUENTEMENTE!
E ela
respondeu: “Mas tu já viste a roupa que se vende para grávidas?”
E levou-me a
uma loja dessas e à secção de roupa para grávida. Fui ver a roupa interior. Saí
a correr. Fiquei deprimida. Cheguei a casa e chorei. O mundo como o tinha
conhecido tinha acabado e só voltei às compras quando a criança já tinha dois
anos.
QUINTO MÊS – OS EXAMES.
Se não
tivesse acontecido comigo e se alguém me dissesse que uma grávida tinha fazer
exames, ou análises, ou ir a consultas com o/a obstetra TANTAS VEZES, eu diria
que essa pessoa das três uma: ou tinha um “affair” com um dos profissionais de
saúde que a acompanha; ou com todos eles; ou que a essa pessoa estava
gravemente doente, a morrer mesmo.
Assim, e pela
frequência com que isto acontece, seguem os meus melhores conselhos: se gostarem
de meninas, escolham uma obstetra que vos compreenda e que seja sempre um
prazer revisitar; se gostarem de meninos, escolham um obstetra que vos toque, e
que vos mantenha ansiosas pela próxima consulta.
Quanto aos
exames e análises evitem todos os que poderem mas, se os tiverem mesmo que
fazer, aguentem! Façam tudo de uma só vez porque repetir exames dolorosos é muito estúpido.
SEXTO MÊS – MENINO OU MENINA?
Quando a
barriga começa a ganhar terreno começamos a conhecer pessoas que sabem coisas, coisas
que nem os médicos sabem, como por exemplo qual o sexo do feto, se é cabeludo,
ou com quem ele é parecido. E isto tudo ainda com o bebé dentro da barriga.
Recorremos a
coisas que sempre evitamos, tais como as jardineiras, sapatos rasos, babetes,
roupa amarela, listas de nomes para bebés, almofadas para dormir, livros de
auto-ajuda, entre outros.
O sinal de
que estamos no declínio da sanidade mental é quando usamos a expressão: “menino
ou menina? Não sabemos, mas o importante é que venha com saúde.” O que queremos
dizer com isto é que se o bebé vier constipado o iremos devolver.
Os receios
dos pais estão relacionados com a passagem pela Escola Secundária onde
aprendemos que a vida é mais fácil para os bonitos. Mas este é um receio errado
porque como já escrevi várias vezes o que conta é a atitude.
A partir
deste momento quando perguntarem se é menino ou menina a resposta deve ser:
“Não sei, mas desde que venha com atitude, é o que interessa.”
SÉTIMO MÊS -PREPARAÇÃO PRÉ E PÓS PARTO.
Uma das
partes mais difíceis da gravidez é conseguir chegar ao centro de preparação
para o parto, de carro, e conseguir estacionar. Ter 3 espelhos no carro e
nenhum deles servir para ver o nosso reflexo é frustrante. Ter cuidado connosco
e com os outros é cansativo. Mas ultrapassar isto tudo com pés inchados, e uma
barriga que chega antes das nossas mãos ao volante é tortuoso.
A Rita e eu fizemos
o Curso de preparação “para o que lá
vinha” juntas, e jurámos que nunca mais repetiríamos esta experiência. Na
verdade o único curso que voltamos a fazer juntas foi o de enologia. O curso de
preparação “para o que lá vinha”
revelou diversas dificuldades, o estacionamento sem dúvida foi uma delas, mas
conseguir um lugar sentado onde pudesse esticar as pernas também foi muito
difícil. A competição com os homens, que também participavam nestes cursos,
para ver qual de nós precisava de mais espaço para abrir as pernas deixou-me
cheia de dúvidas. E como sempre perguntei à Rita: “Rita porque achas que aquele
senhor que se senta ao meu lado precisa de tanto espaço?”
A Rita explicou-me
que muitos homens não têm relações sexuais durante a gravidez e isso faz com que
retenham muitos líquidos, e logo incham. Daí a dificuldade em fecharem as
pernas.
Na sessão
seguinte perguntei a um senhor se ele já se tinha conseguido aliviar, para
saber se teria mais espaço para as minhas pernas, e desde esse dia que ninguém,
além da Rita, se sentou ao meu lado. Consegui passar no curso, aliás aqui entre
nós, mudar fraldas e dar banho a nenucos foram coisas que fiz desde sempre às minhas bonecas.
Por outro lado desde que nasci que respiro, pelo que não sei de onde vem aquela obsessão com a respiração, é óbvio que temos que respirar.
Por outro lado desde que nasci que respiro, pelo que não sei de onde vem aquela obsessão com a respiração, é óbvio que temos que respirar.
OITAVO MÊS – BABY SHOWER
Descobrem-se
as coisas mais incríveis quando se está grávida, como por exemplo a festa de
despedida da vida tal como a conhecíamos, mais conhecida por baby shower. É um
daqueles momentos que tememos pela nossa sanidade mental e choramos, choramos
muito. Não, não é de alegria, é de tristeza por não podermos beber.
Organizaram
um baby shower para mim e para a Rita. A Rita acabou por ceder e aceitou ir, e
foi buscar-me a casa. Disse de imediato: “se alguém pronunciar as palavras
‘mastite’, ‘incontinência’ ou ‘hemorroídas’ eu parto-lhe a cara.”
Eu disse:
“Rita isto é sobre o bebé, não é sobre as nossas avós.” Ela abriu-me os olhos e
arrancou, com o carro, em silêncio. Eu revi o nosso breve diálogo a pensar o
que é que a poderia ter irritado. Mas ao chegarmos ao local de encontro, e ao assistir
à decoração e a todas aquelas mulheres e crianças SUPER felizes, agarrei-me à Rita e
chorei, chorámos. E sussurrei ao seu ouvido: “Onde é que nos meti?
Desculpa-me!”
Alguém sabia
que existem listas de prendas para o baby shower?
Vocês sabiam
que existem roupas de betos para recém-nascidos?
Aprendi o
significado correto de cueiro. E também tive oportunidade de aplicar aqueles ensinamentos
para a vida: se não interessa deixa ir”, deixa ir os comentários que não te acrescentam
nada como mãe, ou ser humano, deixa ir prendas que não queres, deixa ir a
parvoíce. E ainda outro: “foca-te no que interessa”: o bolo de chocolate, o
garçon moreno de olhos verdes, e garantir a qualidade da música de fundo!
NONO MÊS – ENTÃO MAS AINDA NÃO NASCEU?
Nono mês, 4
000 000 semanas, 1 tonelada e a criança ainda não nasceu. Noites mal dormidas,
um corpo que se desconhece e ainda temos que ouvir a pergunta: “Então mas ainda
não nasceu?”
E nessa
altura pensamos que o planeta está superpovoado e que a nossa criança está a
chegar e precisa de espaço e de um mundo com menos estupidez, imaginamos
diferentes formas de matar alguém.
A resposta
deveria ser: “Sim já nasceu, mas apeguei-me a esta barriga e a estes líquidos
que não consigo deixá-los ir” ou “Não, ele está a evitar ao máximo conhecer
certas pessoas”.
Descobre-se
que todas as mulheres são mães, e que uma vez cá fora a nossa vida acabou como
sempre a conhecemos, por isso não nos importamos que eles estejam cá dentro o
tempo todo que for possível.
A cegonha
nunca falha. Depois de avaliar as prioridades, as entregas são feitas. E depois
disto a vida transforma-se.
Depois dos nove meses, ou em certos casos mais cedo,
percebemos que todo o incómodo sentido foi a preparação para o que chegou.
Depois disto, a conversa em semanas desaparece, os pontos caem, e 8 anos e 3
meses depois já conseguimos falar do parto sem fechar as pernas.
Nunca mais a vida vai ser a mesma. Mas sobre isso falamos a seguir.
Todos a respirar!
Inspira, expira! Inspira, expira!