quarta-feira, 31 de outubro de 2018

X - FUGIR À MORTE TODOS OS DIAS CANSA – FILHOS!

Os filhos são tudo. E não são nada. São tudo porque chegam de repente e ocupam tudo. O espaço que estava disponível para eles, e ainda aquele que eles oportunamente preenchem, empurrando daqui e dali. Não são nada porque assim como chegam também desaparecem, e quase sempre com os vadios dos amig@s e d@s namorad@s. Levam o dinheiro da nossa carteira, e as chaves do nosso carro e com sorte aparecem para tomar banho. Sabemos que passaram por casa por causa da loiça, dos pêlos, e da roupa suja espalhados pela casa.  
Os filhos revelam o que há em nós, o melhor e o pior. Os nossos medos, a nossa paciência, a capacidade de perdoar e também os nossos limites.
E começa tudo no princípio dos princípios… ainda na maternidade quando nos dizem “ele não quer sair, faça força” ou então quando dizem “ele já está com a cabeça de fora, não respire!”. Andámos a ver o filme durante nove meses, mas é naquele momento que descobrimos quem é que, no final, terá o poder na mão. Quem é que vai mandar, e garantidamente não vamos ser nós….  
A vida torna-se um pesadelo quando somos apanhados no papel de pais. Está tudo estragado. A vida acabou. Os amigos desaparecem. As noites são longas e não são ao som de rock n’rol. O álcool é proibido. O sexo selvagem é um mito. A vida sem horários ou rotinas acabou-se. E é neste momento que temos que pensar como sobreviver ao fim de tudo. Ao fim da vida como a conhecíamos.
Sabem quando têm uma dor-de-cabeça e dizem “vou descansar um pouco para ver se fico melhor!”, ou quando ficamos insuportáveis porque não tomámos o pequeno-almoço às horas que queríamos?, ou quando não fazemos o jantar porque não nos apetece cozinhar? Ou quando intervalamos, um dia inteiro, ora na cama, ora no sofá, sem fazer nada? Passar um dia no cinema? Ler um livro num ápice? Conhecem esta sensação de não ter nada programado? Esses dias, esses maravilhosos dias. Onde estão eles? Onde ficaram?
ESSES DIAS ACABARAM!
ACABOU A PRAIA SEM HORAS, SEM SACOS, SEM COMIDA, SEM CHAPÉU-DE-SOL!
ACABARAM-SE OS BANHOS RELAXANTES!
ACABOU-SE O SEXO ESPONTÂNEO!
A VIDA ACABOU…
Como a conhecíamos…
A vida fica ainda pior, quando se é “a mãe” na relação. Quando tudo depende da mãe. A roupa, a loiça, a comida, o bebé e até o animal da estimação. As mães não sabem o que é planear porque o imprevisto dá voltas ao planeamento. Tenho para mim que todas as mães que conseguem sair de casa vestidas são mulheres felizes, e sem nódoas ou bolçado, essas são as verdadeiras mulheres abençoadas!
Ser “o pai” na relação é estatuto, é conseguir sair de casa quando apetece e com banho tomado. Sair às horas que precisa. Conseguir ouvir as notícias e pensar sobre elas. Ser capaz de dormir uma noite inteira sem interrupções.
E como tudo na vida, ser “o pai” ou “a mãe” na relação não depende do género, depende da atitude!  
OS PRIMEIROS TRÊS MESES
Dizem os livros que os bebés comem de 3 em 3 horas e dormem a maior parte do tempo. Alguém informou os bebés que é isto que se espera deles?
A maior parte do tempo os bebés andam perdidos, porque não viram essas regras em lado nenhum, e depois como ainda não se sabem explicar choram, e choram, e choram. E quem é que suporta esta confusão? A Mãe da relação! Porque o Pai da relação dorme que nem uma pedra!
Sobrevivemos aos nossos pais, ao Jojó, a maus cortes de cabelo e aos chumaços, à música techno, a questão é saber se conseguimos sobreviver a estes seres incríveis, o pai e o bebé.


Combinei sair com a Rita e com os nossos bebés. Combinamos tudo para sair de casa ao mesmo tempo.
Banho tomado? – Sim
Bebés mamados? Sim
Roupa vestida? Sim
Sapatos nos pés? Sim
Malas, sacos, e alcofas prontas? Sim
Tudo pronto para sair de casa.
Espera, que cheiro é este este que vem do bebé? Que barulho foi este?
E toca a recomeçar tudo porque o bebé lembrou-se de fazer o cocó do mês!

Três horas depois lá nos encontramos, ambas parecíamos medicadas, sedadas, anestesiadas. Estávamos péssimas! A primeira coisa que a Rita me disse foi: “Fecha a braguilha.”
A segunda coisa que disse foi: “Já não chegava não poder beber álcool, agora não posso beber café… parece que faz gases.”;
A terceira: “sabias que existem sites onde encomendas comida e que a levam a casa?” Quarta: “tens feito os exercícios do períneo?”
Sem ter conseguido responder a uma única pergunta feita, ela avançava impiedosamente para a pergunta seguinte: “ Sabes o que resulta? Para conseguir que o bebé me deixe fazer alguma coisa? Ligar o aspirador ou o secador do cabelo!   
E antes que ela despachasse a próxima questão eu disse: “Rita há quanto tempo não dormes?!”
Ela respondeu: “dormir? Mas dormir como? Dormir deitada na cama? Sentada no sofá? Em pé? No chão? Na mesa? Na rua? A conduzir? Dormir sozinha? Dormir como? Sabes que mais? Nunca me deixas falar, vou embora. Falamos quando estiveres mais bem-disposta!”
E ficamos assim, acreditando, em silêncio, que iríamos sobreviver!

OS SEGUNDOS TRÊS MESES
Já desistimos de combinar ou planear. Trocamos o sujeito e o verbo na frase “se Deus quiser” por “se o Bebé deixar”.
O que sabemos, neste momento, é que estamos nas mãos deles. Aqueles sorrisos matreiros já nos convenceram e agora é rezar para que eles não nos façam muito mal.
Continuamos sem conseguir tomar banho e sem dormir, mas já não nos importamos. Nesta fase temos mais para limpar porque eles começam a comer as primeiras sopas e adoram mexer nela e depois passam a sua mão em todas as superfícies, planas, inclinadas e humanas, às vezes despejam-na outras vezes cospem-na. Já me aconteceu perguntarem o que tenho no cabelo e antes de dar a reposta pensar quais foram os ingredientes da sopa.
E com as primeiras comidas os cocós ficam insuportavelmente mal-cheirosos. E apesar disto, as conversas das mães continuam a ser sobre o cocó. A cor, a consistência e a frequência.
 Os dentes começam a nascer, e se não nascerem nesta altura não se preocupem, eles vão acabar por nascer e vocês irão sentir esse crescimento na vossa carne e pele. Mas vão por mim quanto mais tarde melhor! Os dentes, a fala, e as inconveniências.

DEPOIS DOS SEGUNDOS TRÊS MESES
Vem a pressa de andar, de falar, de correr, de pintar, de cantar, de contar….
E acabou-se o pouco sossego que ainda tínhamos!
Nesta altura regredimos na linha da evolução e deixamos de andar erectus para andar curvados. Curvados para os segurar, para brincar, para apanhar as coisas que deixam desarrumadas, para limpar todas as superfícies que eles sujam. Curvados porque a vida está a dar-nos uma lição.
Depois vêm as birras, as chantagens, as negociações, o drama, as manias, os gritos e a escolha de má música. Tudo motivos para deixarmos de lutar pela ilusão de que temos uma vida, não temos. A nossa vida passou a ser deles.


Eu e a Rita voltámos a sair. Mas nas primeiras vezes que saímos a Rita e eu falávamos do nosso dia-a-dia, das rotinas, dos horários. As nossas saídas eram uma seca, e percebemos que a nossa amizade estava por um fio. E ponderamos falar sobre o que era mais importante na vida:
- Rita não consigo falar da actualidade porque só há pouco tempo descobri que o Ramalho Eanes não é o Presidente da República! Queres falar sobre o quê?
- Desde que não falemos de cocó e roupa para crianças pode ser qualquer coisa.
- Estou a pensar comprar a Bimby…
- Não, também não podes falar disso!
- Rita a birra que ele fez ontem para tomar banho?
- Estou a levantar-me, dois minutos e desapareço!
- Contei-te que encomendei uns livros na Amazon e que foi um rapaz que os foi entregar? Giro, Rita, muito giro. Ele fez-me perguntas sobre os livros, acreditas?
A Rita abraçou-me e disse: “nós vamos conseguir! Ainda há esperança!” 

O que acontece com as relações quando aparecem as crianças tem muito que ver com as crianças e com os seus progenitores. Costumo dizer que o melhor do mundo são as crianças e o pior do mundo são os pais das crianças.  
Da minha curta, mas intensa, experiência a fugir da morte apercebi-me de que com filhos, descobrimos que a bipolaridade não é uma doença; que podemos estar sempre cansados sem estarmos com anemia; que não existem tempos mortos; e que a chuva pode fazer bem às plantações, mas não faz bem às relações.
Passo a explicar,
1) a questão da bipolaridade, acordamos a pensar em chegar rapidamente ao trabalho para descansar (Querido Chefe não sei se acompanha este manual, e desculpe a forma como vou colocar isto, mas qualquer trabalho é canja perto de uma birra, ou amuo de miúdos logo pela manhã), e até chegar a esse momento já chorámos, gritámos, rimos, mudámos de roupa, limpámos o leite derramado em cima da mesa, pusemos alguém de castigo… e ainda só passaram 30 minutos desde que acordámos. E somos sempre a mesma pessoa, mas a oscilar entre extremos.
Isto não fica melhor com os anos, porque se há coisa que já aprendi é que amuos e birras pioram com o crescimento. Deviam conhecer alguns dos adultos com quem confraternizo;
2) O cansaço instala-se e quando nos apercebemos acabámos de concordar que sim, mas não sabemos no quê, e podemos ter concordado em ser cúmplices no assassinato de alguém. O cansaço leva-nos ao desespero. Só queremos deixar de ouvir aquela voz ecoando: ”Posso mãe? Posso?”
Leva-nos a adormecer nos sítios mais estranhos e nas posições mais incómodas. A cair para o lado exaustas. E quando estamos neste ponto não há medicação que nos salve. Precisamos de arranjar alguém em quem despejar esse cansaço e a frustração? Onde é que está o pai afinal, quando mais precisamos dele?

3) Porque só de pensar que o mau tempo nos vai obrigar a ficar em casa, e que eles irão gastar as suas energias em casa, a desarrumar, a gritar, e a exigir… só de pensar… fico com arrepios e suores frios!
Obviamente que com a bipolaridade ao rubro não existem espaços para tempos mortos. A nossa vida é uma montanha russa, com livre acesso ao choro, às queixinhas, e às exigências.
Rapidamente deixamos de ter vida própria para termos que viver a vida deles. Festas, atividades, dias em casa de amigos, saídas, trabalhos de grupo, até ao dia em que estes ingratos já não nos querem por perto.
Descobrimos a poluição sonora que hoje se faz e que os nossos filhos andam a ouvir. As roupas que eles querem usar e as cores das mesmas. Ouvimos, sem qualquer remorso, que nunca serão do Futebol Clube do Porto. E por aí adiante… Desgosto atrás de desgosto. Como sobreviver?
Não é fácil.
Falei com a Rita sobre diversas preocupações que me assolavam:
 “Rita como é que vou educar uma criança?”
E ela tranquilizou-me: “é para isso que as Escolas servem!”
Eu: “ Rita e se esta criança não gostar de mim?”
Rita: “ é possível, conheço muitas pessoas que não te suportam, mas nessa altura já podes beber!
Eu: “Rita acho que nunca irei a aniversários de crianças. E não é porque não me convidem é porque não costuma haver álcool nessas festas…”
Rita: “Estás parva? Esquece o álcool, foca-te nas vistas! Já viste a quantidade de homens giros que circulam por lá?”
Eu: Não, nunca reparei! Aliás esses adultos assustam-me, mais do que os dentes num recém-nascido!

Para sobreviver são necessárias três coisas:
Rapidez, paciência e sentido de humor! Basicamente tudo o que temos vindo a treinar.
Rápidas a segurar tudo o que pode cair: bebés, biberons, copos, sacos, pessoas, expectativas, surpresas, fraldas, calças, cabelo, dentes, peito, entre outras coisas. Rápidas a recuperar de doenças, desgostos, desilusões, festas. Rápidas a pensar, a responder, a defender, e a arrancar.
Paciência porque enquanto “o pau vai e vem folgam as costas”. Porque o melhor conselheiro continua a ser o tempo. Paciência porque sem ela deixamos de fugir à morte e acabamos por falecer ou padecer de uma maleita que, até pode nem nos levar a esticar o pernil, pode somente deixar-nos muito doentes e/ou muito sós.
Sentido de humor porque rir continua a ser um excelente remédio. Rir porque o bebé é o oposto daquilo que imaginávamos; rir porque já dissemos várias vezes “se fosse comigo” e nunca esperámos que realmente nos acontecesse. Rir porque não fomos o suficiente rápidas ou pacientes. Rir porque chorar não queima tantas calorias, nem mexe com tantos músculos.
E rir porque estes seres incríveis, os filhos, são uns sacanitas que nos dão cabo da cabeça, mas que nos enchem o coração, e aqui para nós, estes sacanitas até têm piada!

Vemo-nos no próximo mês!