segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

XII- FUGIR À MORTE TODOS OS DIAS CANSA – UPS!


        Sobrevivemos aos nossos pais, aos tempos da Escola Secundária, a maus cortes de cabelo, a péssimas escolhas, escapamos ao Jójó, curámos desilusões, frustrações e maleitas, a má genética, assistimos a muitos desaparecimentos pelo caminho, resistimos aos filhos, aos sobrinhos, aos maus professores, a maus ambientes de trabalho, a maus exemplos, ao mau vinho, às misturas, mau sexo, péssimos conselhos, Dj’s que nos arruinaram a noite… e ainda assim continuamos a ter que fugir porque as provas continuam.
        Com mais ou menos fôlego continuamos a fugir DELA, todos os dias. Mas é inevitável sentir que por mais que fujamos aproximamo-nos desse momento.
E os sintomas de que estamos perto dela… daquela da qual não se diz o nome… manifestam-se de diferentes formas e algumas são bem inoportunas: flatulência, incontinência, falhas de memória, redução de audição e de visão, ausência de paciência, lentidão, aumento considerável do uso de diversas drogas (e todas prescritas!) para diferentes maleitas, e a pior de todas… a redução do consumo de álcool por causa da medicação.
        Outro sinal que nos indica a sua proximidade é a redução do interesse do sexo oposto. Deixamos de sentir que olham para o nosso peito, pernas e rabo, existe uma substancial redução de convites para saídas, que é proporcional ao aumento da oferta de lugares para nos sentarmos. Ouvimos também, porque a falta de audição não nos poupa, os gritos: “Deixa a Senhora passar”, ou “Cuidado com a velha:”
        Descobrimos que ninguém acha piada aos velhos, no geral, porque eles babam, porque contam sempre as mesmas histórias e porque, em particular, os únicos velhotes fixxes que existem somos nós, todos os outros são uma seca, pelo menos é o que pensamos dos nossos pares.
        Basicamente a vida continua a acontecer com a repetição ininterrupta das mesmas situações.
Só que agora estamos na Terceira Idade. Na primeira idade não tínhamos dentes; na segunda idade se não fomos rápidos ficámos sem dentes, com um dos murros do Jójó; e na terceira idade, se o Jójó não nos partiu os dentes na altura, eles acabarão por cair.
Passamos a maior parte do tempo ora em hospitais, ora em Centros de Saúde, mas deixamo-nos de preocupar com a roupa interior que vestimos quando vamos ao médico, porque em vez do constrangedor “dispa-se” passamos a ouvir: “Não precisa de se despir, puxe só a camisola para cima”.

Existem aquelas creches para as pessoas da terceira idade, os Centros de Dia, e ainda os Colégios internos para os casos mais complicados, designados como Lares.

Telefonei para a Rita porque estava angustiada com os programas que passavam na televisão e disse: “Rita não aguento mais aqueles dois, eles não comunicam, eles guincham”
E a Rita disse: “achas? Deve ser o teu aparelho de audição que está mal regulado. Olha que eu com a idade deles era bem mais barulhenta!”
- Rita que disparate, essa tua demência está cada vez pior, nem sei porque te ligo… Tu nunca foste apresentadora de televisão!
- Mas do que é que estás a falar? Não estás a ver o canal Playboy?!
E novamente agradeci a Rita na minha vida, ao longo de todos estes anos, a Rita manteve-se igual a ela própria.

Como os estudos revelam que as mulheres vivem mais do que os homens, eu e a Rita cedo pensámos acautelar o nosso futuro. Contudo, como somos boas pessoas e tratamos tão bem os nossos homens, eles duram e duram, mas agora não nos importamos com isso, porque as oportunidades já não fluem como antigamente. Antes do problema de incontinência. 
Mas como estava a dizer, eu e a Rita acautelámos esta fase da vida por criar memórias, também conhecidas como S E X O, D R O G A S E R O C K N’ R O L L.
E agora vivemos uma boa parte das nossas tardes a recordar esses tempos e a dar conselhos aos nossos netos sobre tudo o que pode irritar os totós dos pais deles!
Outra coisa que eu e a Rita também fizemos foi Cursos de iniciação à espiritualidade. Não resultou porque tínhamos que ficar em silêncio mais tempo do que aquele que nos era possível.
Depois resolvemos conhecer a religião que melhor se adaptava à nossa forma de ser, visitamos várias igrejas e locais de culto, a Rita fazia sempre a mesma pergunta, e ainda na entrada: “Como é que as pessoas morrem aqui?”
Avisei a Rita que ela tinha que reformular a questão, e ela passou a perguntar: “eu não quero ir para o céu, vocês aqui vão para onde quando morrem?”
A Rita tinha como objetivo encontrar uma religião que nos garantisse que quando morrêssemos teríamos 100 homens viris pela eternidade. Ninguém lhe conseguia garantir isso. Pelo contrário houve um pastor que lhe disse que aquilo que ela queria era um pecado mortal. A Rita olhou para ele fixamente e perguntou: “o que é que conhece que seja pecado e não seja mortal?”. Foi a última vez que entramos naquela igreja!  
Rapidamente percebi que o melhor era não nos metermos por esses caminhos, pelo menos se queria continuar a rasteirar a morte.

Depois temos Universidades para a Terceira Idade, Juntas de freguesia e outras Associações com arraiais para idosos sem próteses, e ainda discussões sobre o envelhecimento ativo onde nunca vi discutirem a importância do sexo. O que me levou a gritar EUREKA EUREKA, já sei porque é que os idosos querem morrer!
        Por isso veio à minha cabeça que não podemos deixar, em nenhum momento da vida, de decidir. Decidir o que, com quem, onde e como.
        O meu objetivo é que quando chegar o meu dia, alguém presente diga: “esta gozou até ao último suspiro”.

        Importante também é não ficar só. A solidão é muito triste. Temos muito tempo para ficar sós pela eternidade afora. Eu sei que mais vale só do que mal acompanhado, mas não ter ninguém na vida com quem partilhar é muito triste.
        Outra coisa importante é planear a morte com tempo e confiar essa informação a 3 pessoas diferentes. Decisões como quem vamos convidar para o nosso funeral, a indumentária que vamos usar, a música que vai passar, quem é que nos vai acompanhar, quem vai celebrar a cerimónia de stand up, quais as bebidas que vão ser servidas e quem vai confecionar os pratos que se vão servir, entre outras decisões. Deixar estas escolhas já feitas deixou-me mais tranquila.
        Há um ditado popular que diz: “pagar e morrer quanto mais tarde melhor” e vocês sabem como levo os ditados a sério, por isso evito andar com dinheiro, Deus me livre de antecipar pagamentos.  
Não está nas nossas mãos, e os nossos pés às vezes não são tão rápidos como queríamos que fossem. Mas temos que dar o nosso melhor.
Podem continuar a utilizar os mesmos truques de sempre. “o jogo é meu e as regras são minhas”; “estou no coito”
(será mesmo isto que disse a vida inteira quando jogava às escondidas? Eu e todos. Coito?! Claro que se for coito ninguém tem que ir para lá).
Ou ainda, “RIP a mim não! Apanha primeiro aquele chato, vá que eu depois arranjo-te umas cenas fixxes para curtires”.

Utilizem a desculpa que der mais tempo para nos mantermos em fuga. 
Prometam-me uma corrida de andarilho!

Prometam-me isso e eu prometo que vos convido para o meu funeral daqui a muito, muito tempo! Vai ser B R U T A L!
FIM