terça-feira, 21 de março de 2023

Fugir à morte, todos os dias, cansa | MANUAL II | CAPÍTULO II - Deus nos livre de um bom professor!

Capítulo II - Deus nos livre de um bom professor!

No início de cada ano letivo constato que as crianças esqueceram tudo o que aprenderam no ano anterior. Tornaram-se em seres estranhos, que animais selvagens temem. O regresso à escola é então um enorme desafio. Têm de reaprender muita coisa, a vestir roupa, a lavar as mãos, a usar talheres, a tomar banho numa casa de banho, a ficar sentados, a articular frases, a escutar e o mais difícil a comunicar sem gritar. Os adultos sabem bem o que isso custa. Há anos que tenho a impressão de que o momento de regresso de férias é, SEMPRE, uma punição.

É o momento, no qual compreendo, plenamente, o título do livro Crime e castigo – nem preciso de ler as 576 páginas porque sei bem de que trata a história. O crime, no caso das crianças, são os 3 meses de férias, de liberdade, de tempo livre, de recreio, o qual merece o pesado castigo do regresso. Todos têm de saber, a bem ou mal e bem cedo, que a liberdade é um luxo. O castigo, neste caso, é o regresso à escola. Este é o local onde existem: cadeiras e mesas, horários, o(s) Jójó(s), as regras, e por fim, aquilo que mais se receia, às vezes, raramente e com muito azar, os bons professores.

Estes professores dedicados, com vocação (tomem nota das próximas palavras porque vão dar jeito no futuro, obviamente se quiserem ter um futuro) disruptivos e resilientes são das piores coisas que pode acontecer. Acreditem no meu raciocínio, mas mais importante, na minha experiência.

Puxem pela cabeça - não literalmente porque caso o façam, com muita força e convicção, podem causar danos irreversíveis - e acompanhem-me nesta viagem às memórias mais recônditas. Recordem um destes professores ou, com muita sorte, todos estes tipos de professores: preconceituoso, violento físico/verbalmente, desrespeitoso, incapaz de ensinar e explicar, que não se sabe vestir (traumas visuais irreparáveis), deprimido, e/ou ausente, que cospe enquanto fala (sendo que esta última característica não é das mais graves, quem nunca… que atire a primeira pedra, e por aí adiante.  

Conseguem lembrar-se do seu nome? E na importância que tiveram na vossa vida? Desapareceram, as marcas deles foram enterradas ou desvaneceram com a maquilhagem correta.

Agora vamos voltar a fazer o mesmo exercício, mas têm de pensar nos bons professores aqueles que vos inspiraram, fizeram pensar, ensinaram a ser melhores, a manifestar, a expressar. Nunca conheceram um? Que sorte!!!

Porém, se tiveram um ou mais, conseguem lembrar-se do seu nome? 

Provavelmente também não porque a idade é lixada e leva muita coisa, entre elas a memória, contudo, e com azar percebem e identificam a diferença e lamentavelmente valorizam o seu papel na vossa vida.

Este é o cerne da questão, o bom professor acompanha-nos pela vida, como se fosse um fantasma, e isso condiciona as nossas ações. Leva-nos a pensar duas vezes sempre que queremos falar mal do sistema de educação ou dos professores porque não queremos generalizar (Os sacanas ensinaram bem e não conseguimos apagar o bom senso, e isso limita-nos, não é justo!). Não queremos falar mal da Fernanda, da Lucília, ou de outros Professores que nos inspiraram, motivaram, nos ajudaram a tornar “boa gente crescida”, a viver em sociedade, a respeitar a diferença, a pensar, a questionar e a compreender o mundo. Em suma, entorpeceram o nosso instinto de sobrevivência. 

Receamos ser injustos, com os professores, pois sabemos que foi algum bom professor que os levou a escolher uma carreira no ensino obrigatório, e que os levou a esquecer do que isto envolve. 

Os bons professores são tóxicos, fazem-nos acreditar. Com tamanha confiança deixamos de correr, de prestar atenção e acabamos por sucumbir. 

Não sei se ainda vou a tempo, mas antes de escolherem trabalhar numa escola, reflitam sobre essa decisão, se acham que vão encontrar pessoas bonitas, e ensinar os adultos do futuro, esqueçam isso rápidamente, as crianças são seres cruéis e os seus pais são piores do que elas. Amig@s, não há pai ou mãe, por mais bonzões que sejam, que valham este sacrifício. 

No vosso futuro, vejo talento desperdiçado em rimas e cartazes que farão para levar nas manifestações em que vão participar, até aos 80 anos, a idade da vossa reforma e o momento que chegam ao topo da carreira. 

Desistam, nunca vão conseguir estar a par das "últimas tendências" das políticas de educação nacionais, irão desperdiçar a vossa vida porque um dia encontraram um bom professor, vão apanhar de todos, vão morrer cedo e sem saber onde foram colocados!   

Para evitar este desfecho, defendo que o sistema não deve funcionar, deve continuar como está, afastar e cansar os bons professores, deve destruir os poucos que existem. Não queremos - eu, pelo menos, não quero – deixar de ter desculpas para não ir à escola, para faltar às aulas, para “mandar umas bocas”. Não estamos preparados - eu, certamente, não estou - para deixar de ter desculpas para não gostar de matemática!

Ter um sistema de educação e formação ambicioso, que responda às necessidades das crianças, dos profissionais, das famílias e das comunidades, é um objetivo para países de pequena dimensão, países que não têm um Cristiano Ronaldo. 

É por este motivo que não devemos desistir porque este país não tem um, mas dois Ministérios,  Educação e Ensino Superior, prontos para dar cabo disto tudo. 

Deus nos livre de um bom professor!