Peguei
naquele porta-retratos e pousei-o no sofá, fui até à cozinha, aqueci água e
enquanto a água aquecia fui até ao quarto, fui à procura da manta que tinha
naquela foto. Não estava na gaveta, não estava no baú, onde raio a havia
metido!?
Já
tinham passados tantos anos, a roupa que vestia na foto tinha acabado por dá-la
afinal já não me servia. Os anos passam e os quilos a mais ficam, as varizes
que aparecem, as rugas que vem relembrar a juventude perdida, essas não consigo
disfarçar como faço com os cabelos brancos.
A
chaleira apitou, e trouxe-me à realidade, a água estava quente. Fui até à
cozinha e coloquei a saqueta do chá de frutos silvestres na água quente.
Regressei ao quarto e decidi procurar aquela manta numa caixa que estava
escondida no guarda-roupa. Uma caixa cheia de recordações, de memórias. Talvez a
encontrasse lá. Fui buscar o escadote e puxei a caixa, tirei o laço que a
fechava, e de seguida retirei a tampa da caixa, a manta estava no topo. Peguei
nela e dirigi-me à cozinha, enrolei-me na manta e fui até à sala, levando
comigo a chávena de chá.
O
chá pareceu-me a melhor das companhias para navegar no passado. Cruzei os pés,
envolta na manta, coloquei o porta-retratos no meu colo e segurei a chávena nas
minhas mãos, envolvi-a entre as minhas mãos.
Olhei
com muita atenção aquela foto e tentei relembrar todos os pormenores, foi no
inverno, tínhamos ido passar o fim-de-semana naquela pousada, chovia e tu
disseste que com aquela chuva o mais longe que poderíamos ir, era até onde os
nossos olhos nos pudessem levar. E começamos a andar, a observar, foi nesse
momento que sentados na cama de frente para a janela de vidros, que iam de
parede a parede, tu te levantaste e foste buscar a máquina fotográfica e
colocaste as tuas pernas à volta da minha cintura, sentados na cama
acomodámo-nos para tirar a fotografia, esta que está neste porta-retratos. Não
tem pó, mas parece que já foi há tanto tempo. Depois daquela foto e de outras
tantas falhadas, acabamos um nos braços do outro, enrolados nos lençóis e nas
promessas de um futuro.
Enquanto
bebia o chá aquela água quente, com sabor a frutos silvestres, fazia pressão
para sair em forma de lágrima. Onde foi que perdi aquele sentido, onde foi que
tudo se perdeu?
O
telefone tocou, acordei daqueles momentos, imobilizada desde que os meus olhos
entraram em contacto com aquela foto, devia ter passado uma meia hora e eu
fiquei imobilizada não consegui levantar-me. Que raiva o telefone continuava a
tocar e eu não tinha vontade de me mexer. Porque é que o tempo não parou no
momento da foto.
O
telefone parou, levantei-me, tinha congelado, não sei nem como nem porque, não
senti o frio a chegar. Tinha que ir fazer mais chá, para aquecer.
O
telefone tocou novamente, fui até à cómoda e peguei no auscultador:
-Estou?
-Estou,
querida! Não atendeste… Pensei que tivesses saído.
-Não,
não. Adormeci e quando cheguei perto do telefone, já tinham desligado. Eras tu?
Deve ser importante ligaste novamente…
-Sim,
quero avisar-te que não deves fazer jantar para mim, vou fazer serão. Não
esperes por mim não sei a que horas chego…
O silêncio aconteceu.
Desligaste,
ou já estavas desprendido.
Quando
foi que aquele momento da foto deixou de fazer sentido?! Há tanto tempo que
deixei de esperar por ti, que já me esqueci. Não adianta limpar o pó, não
adianta recordar. Vou tomar banho. Vou sair. Não tenho porque esperar. Vou
descobrir algo que goste de fazer. Vou viver a vida que ainda tenho.
Pode
ser que ele volte cedo e ainda podemos conversar. Pode ser…
Vou
só fazer um chá! Temos tanto para conversar para acertar.
Ele
não veio mais cedo, mas eu esperei por ele. Estava acordada quando ele chegou,
mas não falei. Ele sabia que eu estava acordada, e que esperei por ele, mas
também não quis falar. E como éramos os dois a querer aquele silêncio, acabámos
por adormecer, ele até o despertador tocar e eu até ele sair de casa.
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