terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

estória 3: ... se...

Limpava o pó a uma fotografia. Fiquei presa naquele momento, ao momento que a foto capturou e cristalizou.

Peguei naquele porta-retratos e pousei-o no sofá, fui até à cozinha, aqueci água e enquanto a água aquecia fui até ao quarto, fui à procura da manta que tinha naquela foto. Não estava na gaveta, não estava no baú, onde raio a havia metido!?  

Já tinham passados tantos anos, a roupa que vestia na foto tinha acabado por dá-la afinal já não me servia. Os anos passam e os quilos a mais ficam, as varizes que aparecem, as rugas que vem relembrar a juventude perdida, essas não consigo disfarçar como faço com os cabelos brancos.

A chaleira apitou, e trouxe-me à realidade, a água estava quente. Fui até à cozinha e coloquei a saqueta do chá de frutos silvestres na água quente. Regressei ao quarto e decidi procurar aquela manta numa caixa que estava escondida no guarda-roupa. Uma caixa cheia de recordações, de memórias. Talvez a encontrasse lá. Fui buscar o escadote e puxei a caixa, tirei o laço que a fechava, e de seguida retirei a tampa da caixa, a manta estava no topo. Peguei nela e dirigi-me à cozinha, enrolei-me na manta e fui até à sala, levando comigo a chávena de chá.

O chá pareceu-me a melhor das companhias para navegar no passado. Cruzei os pés, envolta na manta, coloquei o porta-retratos no meu colo e segurei a chávena nas minhas mãos, envolvi-a entre as minhas mãos.

Olhei com muita atenção aquela foto e tentei relembrar todos os pormenores, foi no inverno, tínhamos ido passar o fim-de-semana naquela pousada, chovia e tu disseste que com aquela chuva o mais longe que poderíamos ir, era até onde os nossos olhos nos pudessem levar. E começamos a andar, a observar, foi nesse momento que sentados na cama de frente para a janela de vidros, que iam de parede a parede, tu te levantaste e foste buscar a máquina fotográfica e colocaste as tuas pernas à volta da minha cintura, sentados na cama acomodámo-nos para tirar a fotografia, esta que está neste porta-retratos. Não tem pó, mas parece que já foi há tanto tempo. Depois daquela foto e de outras tantas falhadas, acabamos um nos braços do outro, enrolados nos lençóis e nas promessas de um futuro.

Enquanto bebia o chá aquela água quente, com sabor a frutos silvestres, fazia pressão para sair em forma de lágrima. Onde foi que perdi aquele sentido, onde foi que tudo se perdeu?

O telefone tocou, acordei daqueles momentos, imobilizada desde que os meus olhos entraram em contacto com aquela foto, devia ter passado uma meia hora e eu fiquei imobilizada não consegui levantar-me. Que raiva o telefone continuava a tocar e eu não tinha vontade de me mexer. Porque é que o tempo não parou no momento da foto.

O telefone parou, levantei-me, tinha congelado, não sei nem como nem porque, não senti o frio a chegar. Tinha que ir fazer mais chá, para aquecer.

O telefone tocou novamente, fui até à cómoda e peguei no auscultador:

-Estou?

-Estou, querida! Não atendeste… Pensei que tivesses saído.

-Não, não. Adormeci e quando cheguei perto do telefone, já tinham desligado. Eras tu? Deve ser importante ligaste novamente…

-Sim, quero avisar-te que não deves fazer jantar para mim, vou fazer serão. Não esperes por mim não sei a que horas chego…

 O silêncio aconteceu.

Desligaste, ou já estavas desprendido.

Quando foi que aquele momento da foto deixou de fazer sentido?! Há tanto tempo que deixei de esperar por ti, que já me esqueci. Não adianta limpar o pó, não adianta recordar. Vou tomar banho. Vou sair. Não tenho porque esperar. Vou descobrir algo que goste de fazer. Vou viver a vida que ainda tenho.

Pode ser que ele volte cedo e ainda podemos conversar. Pode ser…

Vou só fazer um chá! Temos tanto para conversar para acertar.

Ele não veio mais cedo, mas eu esperei por ele. Estava acordada quando ele chegou, mas não falei. Ele sabia que eu estava acordada, e que esperei por ele, mas também não quis falar. E como éramos os dois a querer aquele silêncio, acabámos por adormecer, ele até o despertador tocar e eu até ele sair de casa.  

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