quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

E DEPOIS DA MORTE?


- Experiência 1 : A morte segundo a religião.

Qual religião?
Existem tantas, e tantas formas de acreditar.
Alguns cristãos crêem na ressurreição, outros na vida eterna, ainda outros no inferno, no céu, no purgatório e ainda alguns acreditam no pó: “és pó e ao pó voltarás”.
Algumas pessoas acreditam na reencarnação e outros no renascimento.

Custa acreditar que a vida acaba, um dia, mas acabará, inevitavelmente.

Para lidar com este acontecimento pertencente ao ciclo da vida acredita-se em várias coisas, várias formas. Uma fé em algo que não se consegue explicar e que é muito difícil de aceitar.
A religião tem, a meu ver, entre outros o dever de apaziguar, de acolher, de confortar, e assim como se faz com as crianças, das múltiplas interpretações que existem escolhe-se a explicação que melhor se compreende e se aceita, aquela que alivia a dor do próprio.
Curiosamente, a morte nas sociedades ocidentais veste um luto carregado de preto, apesar disso as referências e imagens do caminho entre a vida e a morte são, invariavelmente, em branco, contudo o branco é sinal de luto no Oriente.

O que me faz pensar que os contrastes existentes juntam seres humanos no mesmo nível na luz e na escuridão – no adeus no até breve ou até sempre!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

... neura...


Acordei com a neura. Há dias que sinto uma explosão de energia dentro de mim que parece que finalmente a vida apareceu e está disposta a realizar-se naquele momento. Hoje, e como tem acontecido quase sempre, não é este o caso, acordei com o barulho de um objecto pesado a cair no chão. O estrondo fez com que acordasse sobressaltada, farta de viver, cheia de pessimismo.

Capaz de desistir da vida em sociedade.

Fui tomar banho, não conheço melhor unguento para a acalmar a dor da alma, afinal não foi o estrondo que me deixou mal disposta, foi a agonia e a aflição de acordar e ter mais um dia de rotina à minha frente. Tento não pensar nisso, a semana passa num ápice, de repente já passou um ano e num instante a vida passou. O pior da vida ter passado é não ter tido coragem, um único dia, de fazer o que realmente vai na alma. De dizer não, de dizer sim, porque é nisso que acreditamos.

Tudo tem um horário, uma escala, um tempo determinado, quanto mais livres queremos ser, mais independentes, dos pais, das tradições, dos hábitos, mais dependentes nos tornamos, do tempo, de alguém, de novas rotinas. E lá se foi a autonomia e lá se foi a liberdade e a vida.

Se quero faltar ao emprego devo avisar e justificar a falta, se quero ir a casa de alguém devo informá-lo do meu intento, se quero ir de férias devo planeá-las, se não quiser acordar devo desligar o despertador, se vou chegar tarde devo levar justificação. Se me sinto doente devo esperar pela consulta, se quero ir ao médico devo agendar consulta. Se quero ir divertir-me tenho que ter dinheiro e vontade, e até essa já não vem e fica como se quere. Se quero estar com certa pessoa tenho que verificar se ela pode.

Sinto-me mal, este estrondo, é ensurdecedor! Tenho que mudar, mudar de vizinhança.

Ai a vida, estou ávida de vida! Mas de vida plena.

Talvez com a morte a vida não me surpreenda, talvez seja o momento certo para fazer o que me apetecer fazer, tenho que confirmar que vou ter vida na morte para vivê-la ao meu jeito.

Se calhar um desculpe, tinha sido suficiente para esta neura não ancorar em mim.

 Se calhar a coragem de dizer sim e não, teria sido suficiente para esta tristeza e esta desilusão não criarem raízes.

Será que perdi o encanto? Será este pessimismo? Talvez a morte desta vida seja suficiente.

O banho não foi suficiente, os actos também não o foram, as palavras estão apagadas, não há música que me alegre, não há ombro que queira.

Há um silêncio, no fundo da garganta que me diz que é melhor esquecer.

Pego na minha mala e saio para apanhar o comboio certo, na hora certa, para chegar à hora certa e dizer as palavras certas, até o dia chegar ao fim e novamente adormecer e ficar a sós com o silêncio que tanto quero e preciso, mas que tanto me inquieta.  

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

estória 6: ... e viveram felizes para sempre...

A única questão presente, o que vestir? Qual era a mensagem que queria passar?

O nosso encontro tinha corrido tão bem!

Dois meses tinham passado desde que o vi pela primeira vez. Dois meses foi o tempo que levou para me convidar para sair.

A primeira vez que me convidou fiquei tão surpreendida que não consegui dizer que sim: “ah, hoje não posso, talvez outro dia”.

A semana passou e precisamente na 6ª feira, antes de sair, disse: “tens planos para esta noite?”

Não consegui mentir, eu queria aquele encontro, afinal, queria falar com ele longe do escritório, distante dos olhares de todos, descobrir qual a cor que ele mais gosta, o que ele ouve, queria saber tudo sobre ele desde o primeiro dia que o vi.

Jantámos, pela primeira vez senti o seu perfume, observei e senti as suas mãos sem medo de o fazer. Não havia ninguém para prestar contas, para responder a perguntas incómodas, ou às quais não sabia responder.

O coração batia aceleradamente, tudo era possível, a vida é perfeita porque existem estes momentos perfeitos.

Saímos daquele local e fomos até um bar, prolongar a noite, seduzir, revelarmo-nos. Pensava que tinha que fazer aquele momento durar porque estes sentimentos iniciais são uma explosão, uma descarga de energia. Acabámos por ir até um bar de um Hotel perto do restaurante onde tínhamos jantado.

Ele pediu um Dry Martini eu mantive-me fiel ao vinho. Não sei como aconteceu, nem como chegámos lá, mas claro está que acabámos num quarto daquele hotel.

 Acordámos, tomámos o pequeno-almoço juntos, ele recebeu uma chamada, beijou-me e despediu-se.

Não percebi o que tinha acontecido, mas percebi que a expressão da sua cara tinha mudado, ele ficou distante.

Acho que o nosso encontro tinha corrido bem, mas desde sábado de manhã que não sabia nada dele, embora ele estivesse por todo o lado durante aquele fim-de-semana, era tudo fruto da minha cabeça.

E hoje já é segunda-feira, daqui a pouco ia vê-lo, aquilo que iria vestir parecia-me muito importante.

Acabei por vestir um vestido justo e curto, afinal era essa a mensagem que eu queria que ele percebesse.

Quando cheguei os meus olhos não foram capazes de o encontrar de imediato, acabou por levar algum tempo, até o nosso olhar se cruzar. Quando isso aconteceu, ele sorriu e eu experimentei a sensação de um gelado num dia verão, às 13 horas. De seguida ele levantou os braços e esticou-os, cruzou os dedos atrás da cabeça e pela primeira vez vi na sua mão direita, no seu dedo anelar, uma aliança.

Novamente um padrão que se repetia…

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

... talvez amanhã...


Toda a força que tinha direcionei para o meu braço.
Esfregava aquela mancha vigorosamente.

A minha cabeça pensava sem parar, tanta energia empregue naquela mancha. Seria a sujidade da mancha ou a minha que me incomodava a ponto de não conseguir parar.
“Pessoas boas fazem coisas más”, “coisas más acontecem a boas pessoas” são frases que repito e utilizo para desculpar o que me é conveniente, para me desculpar.

Tenho que parar, já não há nada para retirar, não há nada de novo, não há nada de surpreendente.
A vida continua a acontecer através de estranhas formas.

Aparições de alegria, contentamento, satisfação, atropeladas por sofrimento, tristeza e desilusão.
Que ambiguidade!

Afinal a força que tinha também estava na minha cabeça, se calhar mais do que no braço.
Pobre braço, mão dorida de tanto uso em vão.
Pobre mente, que pensamentos tão soltos e vagos.

Quero mudar, quero mais, mas mais do que?
Quero que a vida aconteça, cheia de surpresas, que se manifeste nas suas ambivalências, mas que me deixe repleta de emoções e sentimentos, que me tornem uma melhor pessoa.

A mancha não desaparece, tal como o passado, mas o desgaste tornou-a mais pálida, tal como as recordações.
Talvez o amanhã seja melhor, talvez o amanhã marque o início de algo maior.

Boa noite! 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

... don't walk away in silence...


Saio de casa e trauteio uma música que vive na minha cabeça.

Gosto de amanhecer com músicas na cabeça, melhor que uma música só mesmo uma oportunidade para rir.

Com uma agenda preenchida ando sempre a correr, às vezes esqueço-me de agradecer!

Quando me lembro que não agradeci ou que não me despedi já estou longe, longe da pessoa, do local. Antigamente era mais ligada nos pormenores, chamemos-lhe educação, as obrigações não permitem que se perca tempo com detalhes.

Sim, esta é a minha cabeça a pensar que a educação é um detalhe.

Outro dia pensava na expressão “as desculpas evitam-se” e pensava no seu significado.

Já evitamos quase tudo, para não perder tempo, mas com tantas mensagens contraditórias fico confusa.

Devo perder tempo com o que vale a pena? Então, mas o que é que vale a pena? E como é que se avalia o que não vale a pena?

Trabalho? Pessoas? Amigos? Família? Lazer? Saúde? Dinheiro? Prazer? Amor? Inveja? Religião? Serão sobrevalorizados ou subestimados?

A música que me acompanha não silencia este monólogo. As expressões das pessoas por quem passo na rua não me permitem sorrir.

Porque é que não posso esticar as pernas agora que estou sentada? Ah sim, percebi! A senhora loura da frente está com as suas longas pernas cruzadas a ocupar o espaço dela e o meu e não se desvia.

Talvez seja esta a motivação que tenho para evitar desculpas e perder tempo com pormenores, talvez seja a má-educação dos outros que me impele a levantar o som da música, na minha cabeça, e pensar que não vale a pena.

Aonde é que este mundo vai parar se todos deixarmo-nos de preocupar?

E esta música que me acompanha... “don't walk away in silence, don't walk away.”


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

... uma receita ...

Existem diversas situações que relembramos do cinema ou de livros que nos revelam protagonistas mestres da cozinha ou inaptas para aquele espaço, havendo nesta última categoria quem aproveite o forno para guardar sapatos.

Relembro a bela e jovem Sabrina (Audrey Hepburn) que enquanto sofria de amor pelo galã do filme,- pois ainda não se tinham "encontrado" na primeira parte do filme- foi para Paris, dar tempo ao desencontro amoroso, e fazer um curso de culinária. Obviamente, que em Paris ela não só se tornou uma excelente chef de cuisine como “desabrochou” numa belle femme e novamente se reforçou um clichet sobre o poder de transformação que a cidade de Paris tem.
Mais importante que a ficção é a força de uma história real, como a recordação que tenho da minha amiga S. que quando esteve “emigrada”, o amor assistia-lhe, mas já o emprego não, e enquanto não encontrava trabalho, arranjou um escape. Qual foi o escape dela? Voilá,  cozinhar, fazer macarons!

Porque é que, em certas ocasiões, a cozinha se reveste de encanto, de sabor, de aconchego? E porque é que noutras alturas se quer queimar, não os soutiens, mas os aventais?

Dei comigo a pensar nisto enquanto batia energicamente o açucar com a manteiga e pensava que a alma pode estar cansada, mas ainda tem uma réstia de energia, e daqui a pouco, o tempo do bolo ir ao forno, uma chávena de chá com uma fatia de bolo pode ser o tempo e o empurrão que preciso para me restabelecer.

Receitas hà muitas…

 Sugestões ligeiras: Os filmes Chocolat de 2000; Ratatouille e No Reservations de 2007 e Julie & Julia (2009)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

…e agora algo completamente diferente…

Há quem diga que não pensa. Amigas que me confessaram que a prática de ioga as fez mais espirituais e que agora conseguem abstrair-se completamente da realidade.
Fico desconfiada e quando elas passam mais de três dias sem falar comigo telefono-lhes, não vá alguma delas ter levitado sabe-se lá para onde, ou até ter morrido, ou ter sido devorada pelos lobos da Alsácia. Acho que este tipo de morte pode acontecer a qualquer um, perguntem a Bridget Jones, e ela com certeza confirmará esta resposta.
Continuando com esta ideia que cria alguma estranheza, a possibilidade de não pensar. Ainda outro dia um amigo de um amigo, (não, não fui eu) disse que ia sendo atropelado, e qual era a causa? “É pá não pensei em nada”, respondeu ele quando confrontado com as questões que ponham em causa a sua sanidade mental.
A partir destas duas experiências de pessoas que defendem que é possível não pensar e aquelas que colocam a sua vida em risco quando não o fazem, criei uma espécie de terceira experiência, a minha.
Ora vejamos, aqueles que defendem que é possível não pensar, são aqueles que quando confrontados com o cobrador de fraque, ou com uma multa do ministério das finanças, ou com os juros de uma qualquer prestação que não pagaram defendem-se com o típico: “não pensei”.
Não pensei, é sinónimo de achava que podia escapar e não me tinha apercebido que podia ser apanhado.
Existem ainda aqueles que respondem ao interrogatório: em que pensas? Ou qual a tua opinião sobre esse assunto? O que achaste da X?
A resposta é: não pensei, não reparei...
E depois quando acontecem acidentes como o quase morrer atropelado, o esquecer as únicas chaves de casa em casa e descobrir isso quando está na rua, o perder o passe, o chocar no carro da frente… “eh pá, não sei onde tinha a cabeça”. Eu explico a cabeça está lá, e o pensamento também, mas os olhos podem estar no gigante spot publicitário da Triumph, com a Claúdia Vieira, ou os pensamentos na imagem das pernas da Sónia da contabilidade naquelas legs felinas tão provocantes, ou a imagem daquele sorriso do informático, que diz constantemente: “ Eu gostava de, um dia destes, lhe formatar o disco rígido!” Afinal o que é que ele quer dizer com isso…e trash dá-se o choque com a realidade! 
Em suma, não pensar é possível, mas não pensar em nada valerá a pena? Ou não pensar em algumas coisas é o mais seguro?

"..o luto..."

na opinião da autora:
O luto veste de preto ou de outra cor qualquer. Demora em alguns casos uma vida, em outros casos meses ou horas para superar. Leva o tempo que levar e manifesta-se da forma mais adequada à pessoa e à sua perda.
O luto está relacionado com a perda, com a morte, com o desaparecimento, com uma distância forçada de algo ou alguém, e ainda com a decepção e desilusão pode ainda ser o fim de uma possibilidade. As memórias e as recordações, sobrevalorizadas na vida, neste momento de maior fragilidade e dor, são como sombras, que perseguem, agonizam a dor tornando-a presente e real.  
Numa linha contínua de vivências e experiências que ocorrem durante a vida existem largos períodos de tempo onde se constata frequentemente e amiúde que a morte é uma parte integrante da vida. Aprender a viver sem alguém, sem algo, integra o processo de crescimento que com o passar do tempo tendencialmente contamina os vários momentos da vida, tornando-se cada vez mais constante.
Com a consciência que existem limites humanamente insuperáveis e barreiras sociais difíceis de derrubar vive-se cada dia envelhecendo.
Os sonhos vão desaparecendo, as músicas são menos alegres, as desconfianças crescem, a inocência perde-se e as ambições alteram-se.
Durante a infância e a adolescência acredita-se ser capaz de fazer tudo, ou pelo menos pensa-se que se tem uma vida para conseguir o todo, com os anos a passar “esse todo” representa algo mais pequeno.
Aparentemente pode-se ser quem se quiser ser, ou fazer o que mais apetece. A pergunta repete-se: “O que é que queres ser quando cresceres?”. Se a pergunta não for colocada por outros, será o próprio, inevitavelmente, que acabará por fazê-la. O tempo passa, e mesmo quando não se quer fazer nada, esta posição já é o resultado de uma escolha.
Não obstante, “ser tudo” parece que está a um curto passo de distância, ou a um passo da magia. Porém ninguém se prepara quando os sonhos não acontecem, ou quando desaparecem. Dificilmente alguém cresce avisado que a mudança é a única constante da vida.
O luto surge, às vezes representa o tempo de mudança no qual cada um se prepara para, à sua maneira, lidar com a perda, com a tristeza, com a desilusão, com a frustração, com o desânimo, que às vezes se liberta inesperadamente e volta a surgir com uma dor mais forte.
O luto é do próprio, acontece, desaparece e reaparece. Transforma-se constantemente, ora em amor, ora em saudade, ora em força ou nos seus antónimos.
Talvez não seja preciso inventar novas palavras para o luto, as que existem fazem sentido: “Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.” (Eclesiastes 3)  
 
É talvez agora o tempo de aceitar a mudança, de percorrer o luto e tentar perceber o porque do acontecimento, o porque do sentir oscilante, é tempo de esforçar-se por perceber “O PORQUE”.
O tempo traz e leva amizades que se dissolveram, sonhos destruídos, mortes, sentimentos que mudaram, certezas turvas. Basta de correr atrás do vago, dos elogios, das palavras vãs sem pensar naquilo que deve importar: “que pessoa queres ser?”.
Porém é como diz o grande Saramago “mas, lá no íntimo profundo, que é onde se digladiam as contradições do ser” (Viagem do Elefante), completo eu que há uma inquietação permanente!
 
Apesar destes acontecimentos que circunscrevem a vida há mais para descobrir, para viver, para acreditar, e há sempre a esperança de um renascer.
 
É um princípio como outro qualquer, porque não recomeçar agora?

 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

estória 5: ...Porque...

Gosto de arrumar a vida em linhas. Parece-me que tudo sem que ser correcto. Lido mal com a mudança, com o imprevisto.
Qualquer uma das minhas gavetas pode ser aberta, por exemplo esta, a das meias, percebe-se o que quero dizer com as linhas da vida e com o sentido da arrumação. A minha gaveta das meias, tem por detrás daquele aspecto organizado uma teoria inspiradora, não misturar o que não precisa de ser misturado. Da direita para a esquerda existem várias linhas de meias que vão dos tons mais claros aos mais escuros. É bom que todas as nossas coisinhas estejam em caixinhas, assim não se criam confusões, sou assim nas arrumações, sou assim na vida.
Outro dia falava com uma colega de trabalho sobre o aspecto da sua secretária, custa-me a crer que ela consiga encontrar alguma coisa naquela confusão. Ela não parecia preocupada. Se eu fosse uma pessoa religiosa acho que teria dito alguns dessas expressões religiosas que se dizem perante o horror em que fiquei.
A desorganização é um sinal distinto da cabeça de uma pessoa. As nódoas também o são.
Ainda outro dia reparava no senhor que se sentou à minha frente no metro, aquela nódoa deveria ter mais de uma semana, acho que a roupa nem brilhava naquela pessoa, porque o tecido estava incomodado com o corpo que o vestia.
Anteontem sem perceber como, entornei um pouco de sumo na minha blusa, não consegui acabar de beber o sumo, corri até a casa de banho mais próxima e esfreguei aquele pedaço de tecido onde o líquido tinha caído, penso que aquele sumo se terá arrependido de ter caído na minha blusa, mas quando vejo alguém assim despreocupado com o seu aspecto exterior penso logo que tipo de pessoa será, no seu interior.
Sou da opinião que as pessoas revelam o seu interior em pequenos detalhes, como os seus comportamentos diários, seria incapaz de conviver com alguém que deixa a sua secretária desarrumada, que anda de bem com uma nódoa, que come depressa, que fala exageradamente, que se ri alto, que grita, que não se sabe sentar, que mastiga de boca aberta, que é desorganizada, que não é pontual.
Há coisas que não sou capaz de aceitar … não sou!
A mentira, a raiva despropositada, pessoas que choram por tudo e por nada, histerismo, vaidade desmesurada, tiques de grandeza de inferiores, manias de liberdade, falta de determinação, dúvidas, irresponsabilidade.
Enfim, acho que o ser humano deve ser exigente consigo e com os outros senão o que será da vida em sociedade?! Regras, disciplina e hierarquias bem definidas são fundamentais.
Já chega de falar sozinha, já falei demais…hoje estou assim… mais inconformada, não sei, talvez hoje me sinta mais só do que nos outros dias. Não percebo, afinal todos os dias são assim, iguais, o mesmo há 30 anos, porque é que hoje deveria ser diferente.
Porque é que hoje haveria de ser diferente e ser capaz de capaz de encontrar alguém que me compreenda e me aceite assim como eu sou.
Há quem tenha medo da exigência, mas não importa, porque exigência é excelência.
E eu exijo sempre!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

estória 4: rotina

São sete horas da manhã. Já o sabia antes do despertador tocar, no entanto esperei que ele tocasse para sair da cama. Automaticamente puxei para trás o lençol e o cobertor que me cobriam, e saí da cama.

Como é hábito sentei-me na sanita e pensei na roupa que iria vestir. Abri a torneira da água quente e rapidamente me pus debaixo do chuveiro. A água que caía do chuveiro lavava a alma e o corpo e levava consigo a vontade e a força.

Enxuguei-me e fui directa ao guarda-roupa, vesti-me, e de seguida, como é habitual, fiz a cama.

Às sete horas e quarenta minutos estava a sair de casa, e como sempre o faço, fui à cafetaria que fica na frente da minha casa, tirei o meu copo dentro da mala e recarreguei com o café da manhã.

Dei comigo com metade do caminho de sempre percorrido, a ver as mesmas pessoas, os mesmos cães, e a pensar que “afinal não sou eu a única pessoa de hábitos”.

Trinta minutos depois estava no trabalho, com o cumprimento de sempre: Bom dia, mais um dia …não é verdade?!”. Não precisava de esperar para ouvir a resposta. E para que ouvi-la?!

Enquanto o elevador me levava até ao meu piso, pensava “será que alguém daria pela minha ausência se faltasse?” “Se mudasse de caminho e de hábitos alguém iria notar?” E enquanto me questionava telefonava à minha mãe. Estava tudo bem com ela, estava de saída para o ginásio com as amigas, não tinha tempo para mim, no íntimo ficava contente com esta indisponibilidade, não iria telefonar a outra hora, e ela não iria retribuir o meu telefonema, afinal não havia nada para dizer.  
Na sala de reuniões, à mesma hora de sempre, reunimos e estabelecemos as tarefas para executar naquele dia. Patrick, o jovem indiano, interrompeu, sem causar estranheza porque como era habitual todos esperávamos por ele, e pelas sandes que ele distribuía, não podia ser de outra maneira…
A hora do almoço era a parte mais desagradável do dia, todos tinham alguma coisa para contar, para partilhar, um a querer mostrar que estava mais vivo que outro. Cada um, à sua maneira a tentar exibir a sua vida e como ela era colorida e preenchida. Ai que aflição! Era a parte do dia que mais demorava a passar. Uma hora, uma simples hora em que o barulho não me deixava pensar, ou simplesmente não me permitia não pensar.
O dia de trabalho terminava às dezoito horas com um simples adeus, ou até amanhã. Ocasionalmente convidavam-me para sair, beber um copo, ir ao cinema, ou simplesmente fazer qualquer coisa. Nunca aceitei, esta era a minha vida, a minha opção.   
Seguia o meu caminho, de sempre, até casa, passava no supermercado, trazia comigo o essencial, queria chegar a casa o mais rápido possível.

Era quando colocava a chave na porta que o dia começava. Ouvia a música de começo do dia, só Beethoven me compreendia, a 5ª sinfonia chegava ao meu coração como jamais alguém ou alguma coisa chegaria. E enquanto preparava o jantar, como sempre o fazia e o iria fazer, pensava invariavelmente que amanhã devia mudar de rotina, e com esses pensamentos acabava por adormecer.

Não era autismo, não o sabia fazer de outra forma, deixava um porém para amanhã…
E o amanhã, rapidamente se tornava hoje. 
São sete horas da manhã. Já o sabia antes do despertador tocar, no entanto esperei que ele tocasse para sair da cama.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

estória 3: ... se...

Limpava o pó a uma fotografia. Fiquei presa naquele momento, ao momento que a foto capturou e cristalizou.

Peguei naquele porta-retratos e pousei-o no sofá, fui até à cozinha, aqueci água e enquanto a água aquecia fui até ao quarto, fui à procura da manta que tinha naquela foto. Não estava na gaveta, não estava no baú, onde raio a havia metido!?  

Já tinham passados tantos anos, a roupa que vestia na foto tinha acabado por dá-la afinal já não me servia. Os anos passam e os quilos a mais ficam, as varizes que aparecem, as rugas que vem relembrar a juventude perdida, essas não consigo disfarçar como faço com os cabelos brancos.

A chaleira apitou, e trouxe-me à realidade, a água estava quente. Fui até à cozinha e coloquei a saqueta do chá de frutos silvestres na água quente. Regressei ao quarto e decidi procurar aquela manta numa caixa que estava escondida no guarda-roupa. Uma caixa cheia de recordações, de memórias. Talvez a encontrasse lá. Fui buscar o escadote e puxei a caixa, tirei o laço que a fechava, e de seguida retirei a tampa da caixa, a manta estava no topo. Peguei nela e dirigi-me à cozinha, enrolei-me na manta e fui até à sala, levando comigo a chávena de chá.

O chá pareceu-me a melhor das companhias para navegar no passado. Cruzei os pés, envolta na manta, coloquei o porta-retratos no meu colo e segurei a chávena nas minhas mãos, envolvi-a entre as minhas mãos.

Olhei com muita atenção aquela foto e tentei relembrar todos os pormenores, foi no inverno, tínhamos ido passar o fim-de-semana naquela pousada, chovia e tu disseste que com aquela chuva o mais longe que poderíamos ir, era até onde os nossos olhos nos pudessem levar. E começamos a andar, a observar, foi nesse momento que sentados na cama de frente para a janela de vidros, que iam de parede a parede, tu te levantaste e foste buscar a máquina fotográfica e colocaste as tuas pernas à volta da minha cintura, sentados na cama acomodámo-nos para tirar a fotografia, esta que está neste porta-retratos. Não tem pó, mas parece que já foi há tanto tempo. Depois daquela foto e de outras tantas falhadas, acabamos um nos braços do outro, enrolados nos lençóis e nas promessas de um futuro.

Enquanto bebia o chá aquela água quente, com sabor a frutos silvestres, fazia pressão para sair em forma de lágrima. Onde foi que perdi aquele sentido, onde foi que tudo se perdeu?

O telefone tocou, acordei daqueles momentos, imobilizada desde que os meus olhos entraram em contacto com aquela foto, devia ter passado uma meia hora e eu fiquei imobilizada não consegui levantar-me. Que raiva o telefone continuava a tocar e eu não tinha vontade de me mexer. Porque é que o tempo não parou no momento da foto.

O telefone parou, levantei-me, tinha congelado, não sei nem como nem porque, não senti o frio a chegar. Tinha que ir fazer mais chá, para aquecer.

O telefone tocou novamente, fui até à cómoda e peguei no auscultador:

-Estou?

-Estou, querida! Não atendeste… Pensei que tivesses saído.

-Não, não. Adormeci e quando cheguei perto do telefone, já tinham desligado. Eras tu? Deve ser importante ligaste novamente…

-Sim, quero avisar-te que não deves fazer jantar para mim, vou fazer serão. Não esperes por mim não sei a que horas chego…

 O silêncio aconteceu.

Desligaste, ou já estavas desprendido.

Quando foi que aquele momento da foto deixou de fazer sentido?! Há tanto tempo que deixei de esperar por ti, que já me esqueci. Não adianta limpar o pó, não adianta recordar. Vou tomar banho. Vou sair. Não tenho porque esperar. Vou descobrir algo que goste de fazer. Vou viver a vida que ainda tenho.

Pode ser que ele volte cedo e ainda podemos conversar. Pode ser…

Vou só fazer um chá! Temos tanto para conversar para acertar.

Ele não veio mais cedo, mas eu esperei por ele. Estava acordada quando ele chegou, mas não falei. Ele sabia que eu estava acordada, e que esperei por ele, mas também não quis falar. E como éramos os dois a querer aquele silêncio, acabámos por adormecer, ele até o despertador tocar e eu até ele sair de casa.  

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

estória 2: O Medo Absurdo

Acordei com uma enorme dor de cabeça. A noite passou, mas não passou por mim. Há noites, madrugadas, dias assim, parece que não somos nós que preenchemos o tempo, mas o tempo ocupa-se de nos preencher.

Esta dor de cabeça que me proíbe de pensar, de sentir o que sinto e até de viver a minha vida.
Disse-lhe “se essa é a tua decisão, aquela que te irá deixar feliz, fico feliz por ti e aceito-a”. Mas que parvo que fui, não tinha que aceitar ou recusar quando nada me foi pedido, só fui informado.

Havia lido um daqueles livros repletos de “lugares comuns” e que dizia que "o amor liberta", tive naquele momento a oportunidade de mostrar que aquela frase, que achei extraordinária, era praticável. Resignado pensava: "então amar então é isto?".
Escusado será dizer que não consegui dormir.
O que é que se passa comigo? Deixo-a ir assim sem lhe dizer como ela foi egoísta? Ou serei eu que estarei a ser egoísta? Com medo de ficar só? Durante aquela noite fiz e refiz aquele diálogo e na minha cabeça dizia-lhe tudo aquilo que me ia na alma, mas não passaram de cenários imaginários. Tive frio e calor, sede, faltou-me o ar. Sim, tive medo.

A minha cabeça que teimava em exibir-se, pensava: "EU" era só cabeça ou era só dor?!

Com quem falar, o que me haveriam de dizer. Às vezes parece que eu e todos aqueles que me rodeiam somos a mesma pessoa, lemos os mesmos livros, utilizamos os mesmos clichés. Talvez passemos demasiado tempo juntos, ou talvez tenhamos medo de dizer o que pensamos e sentimos para não expor as nossas vulnerabilidades, evitar cansar os nossos amigos com angústias, problemas...

Evito passear pela casa, existem demasiadas recordações.

Ontem, antes daquele fatídico jantar, ao sair de casa olhei para o meu reflexo no espelho e senti-me bem. Continuei a sentir-me bem até à sobremesa, apesar do silêncio durante o jantar, ou da conversa de circunstância, para mim tudo estava bem. Hoje não quero sentir pena de mim, não quero ver aquele espelho, não me quero ver!

O telefona toca, será ela? Mudou de ideias? Telefona para saber se estou bem?

“-Estou?
-Sim, mãe está tudo bem. Acordei agora! Não, estou sozinho. Sim, já sei que não concordas com estas relações modernas. Claro que sim, claro que vamos lanchar, sim. Ao mesmo sítio de ontem? Sim gostei, mas também gostei muito do café da semana passada. Sim, dá-me uma hora e estarei aí.”


E estarei!